Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Atribulações da hora

12/07/2018 às 19:53.
Atualizado em 10/11/2021 às 01:22

Há muito se diz que nada mais ocorre nos meios jurídicos e políticos que surpreenda ou assusta. Aqui, usei frequentemente o substantivo inquietação para qualificar a hora delicada que atravessamos. A palavra também ficou débil diante da situação de incessante indiferença aos sentimentos da população e do cidadão, que se vai robustecendo, emanada de altos escalões. 
Os episódios registrados, cronometricamente, do último domingo até hoje, demonstram o grau de insensibilidade, quando não de menosprezo, com que o brasileiro é tratado pelo sistema. 

Não se trata de meros atropelos ou enganos de funcionários subalternos e obscuros. Foram atos arquitetados, premeditados e postos em execução por integrantes do Legislativo e por membro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ciosos e conscientes de suas responsabilidades e de suas consequências. 

A decisão de um magistrado plantonista, que mandou libertar um ex-chefe de Executivo, foi tido como “inusitado e teratológico” pela presidente do Superior Tribunal de Justiça, pois em flagrante desrespeito a decisões do Tribunal Regional, pelo STJ e pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. 

A ministra Laurita Vaz foi contundente: “é óbvio e ululante que o mero anúncio de intenção de réu preso de ser candidato a cargo público não tem o condão de reabrir a discussão acerca da legalidade do encarceramento, mormente quando, como no caso, a questão já foi examinada e decidida em todas as instâncias do Poder Judiciário”. 

No mais, reafirmou a absoluta incompetência do juiz plantonista “para deliberar sobre questão já decidida por este Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, afastando a alegada nulidade arguida”. 

O fato é mais grave se atentar que o “incidente” se dá exatamente num período em que o Judiciário do Brasil enfrenta uma avalanche de críticas e suspeições, a maior de toda sua história, por motivos de pleno conhecimento da nação. 

Aliás, o caso nos obriga, mais uma vez, a recorrer a Rui Barbosa, ao definir o papel e responsabilidade do Poder Judiciário: “medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de Estado, interesse supremo, como quer que te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”. 

A sociedade brasileira não se submete a tais injunções. Por sinal, os mais recentes acontecimentos fazem lembrar o ministro Joaquim Barbosa, ex-presidente da mais alta corte de Justiça, quando se manifestou, há algum tempo: “somos o único caso de democracia no mundo em que condenados por corrupção legislam contra os juízes que nos condenaram. Somos o único caso de democracia no mundo que as decisões do STF podem ser modificadas por condenados. Somos a única democracia no mundo que os deputados, após condenados, assumem cargos e enfrentam o Judiciário. Somos o único caso de democracia no mundo que é possível que condenados façam seu habeas corpus ou legislem para mudar e serem libertos”. 

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