Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Cassiano retrata Auschwitz

07/07/2016 às 18:56.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:12

Cassiano Nunes está em espírito e alma, pensamento e sentimento, em “Poesia”, volume 1, que chega com o frio de metade deste 2016 ao Brasil, bem como com incertezas e atribulações à Velha Europa.

A poesia de Cassiano é vida em boa hora reunida na edição da Thesaurus, de Brasília, por organização de Maria de Jesus Evangelista, responsável e curadora do Espaço do Escritor na Universidade de Brasília.

Se na apresentação ele diz que a obra poética de Cassiano o classifica entre os bons poetas do modernismo, Anderson Braga Horta, também poeta de alto nível, ensaísta reconhecido, herdeiro de excelentes dons, afirma: nascido em Santos em 1921, CM “foi poeta de valor – tanto pela forma correta e elegante quanto (permita-me recair na velha dicotomia...) pelo conteúdo pensamental e humano. Foi um poeta pela sua trajetória intelectual em verso e o foi pelos caminhos em que viajou sua vida. E está dito o essencial”.

Quem tiver o prazer intelectual e literário de ler esse volume,o primeiro, verificará que Cassiano olhou em derredor, viu, sentiu, raciocinou, sofreu e se alegrou no decorrer da existência, interessando-se e se deixando vencer pela necessidade de abrir-se, libertar-se. Seu livro,o que ora aparece, é um espelho da vida em suas múltiplas nuances.

Observe-se: no dia 2 de julho deste ano, em Nova York, onde vivia, faleceu Elie Wiesel, Prêmio Nobel da Paz, uma espécie de porta-voz mundial do holocausto. Estava com 87 anos, padeceu a tortura dos campos de concentração de Buchenwald, onde viu o pai morrer; de Auschwitz- Birkenau; e de Bunne Weike, recebendo ali no braço o código A-7713, que levou consigo ao túmulo.
O Comitê Nobel, em 1988, ao destinar-lhe o prêmio, considerou-o “um dos mais importantes líderes espirituais e guias em uma era em que a violência, a repressão e o racismo continuam a caracterizar o mundo”. Observou que o romeno Wiesel é um mensageiro para a humanidade. Sua mensagem é de paz, reconciliação e dignidade humana (...) É baseada em sua própria experiência pessoal de humilhação total e de absoluto desprezo pela humanidade mostrados nos campos de morte de Hitler. A sua mensagem está na forma de um testemunho, repetido e aprofundado através de um grande autor”. 

A mãe do prisioneiro adolescente e a irmã faleceram nas câmaras de gás. O rapazinho confessou: “Eu jamais me esquecerei daquelas chamas, que consumiram minha fé para sempre. Nunca me esquecerei do silêncio noturno, que me privou, por toda a eternidade do desejo de viver. Nunca me esquecerei dos momentos que assassinaram o meu Deus e minha alma, e transformaram meus sonhos em poeira. Nunca me esquecerei dessas coisas, mesmo que eu seja condenado pelo tempo que Deus quiser”. 

Pois, muito antes do final do Wiesel, escrevera Cassiano Mendes, em “Menino Judeu em Auschwitz: “Vi-o muito bem/ aquele menino judeu/ que estava ali esperando/ que se abrissem/ os fornos crematórios de Auschwitz./ Vio-o muito bem.../ Teria doze anos”, a mesma idade em que Cristo/ escapou de casa/ para discutir com os doutores./ Pode ser até que aquele menino/ fosse o próprio Cristo... O homem que todos nós sacrificamos”. 

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