Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Desde o sertão goiano

08/09/2016 às 20:32.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:45

Salomão de Sousa, de Brasília ou em Brasília, é eminentemente um poeta de Goiás. Lá nasceu em Silvânia e viveu grande parte da vida. Já publicou dez trabalhos, a que agora se acrescenta “Descolagem”, pela Kelps, de Goiânia. Este undécimo volume foi impresso em papel produzido de floresta cultivada em áreas não degradadas e inteiramente reciclável. Além do que, o autor faz questão de contar que a edição se fez às suas expensas, com mil exemplares de tiragem, ao ensejo sexagésimo aniversário de “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa, e do 150º aniversário de Euclides da Cunha. 

Na zona rural, viu os primeiros dias e passou as primeiras noites, cedo acordando para a poesia, principalmente para se defender da solidão. Iniciou a missão com a leitura de literatura de cordel, mais fácil de ser achada por ali e mais barata em termos de custo. Desembarcou, por outros mares navegou, não fugiu à inclinação e sua poesia tem a marca registrada da terra. Seu “Descolagem” descolou neste 2016, centenário do poeta Manoel Barros e 131º da morte de Victor Hugo, que levou às ruas de Paris um milhão e meio de pessoas, evento jamais acontecido no Brasil, que jamais se curvou deste jeito e maneira ao talento de um escritor.

Por sinal, a foto da capa é de Zeniton Gayoso, que a fez no município de Mambaí (GO), sobre casa de imburana, o que dá ideia do cuidado e carinho de Salomão pelo meio ambiente. Busca vias seguras, em meio ao turbilhão da existência e das pessoas. “Bem, vem./Após cuidar das vagens e da ordenha/confortemo-nos diante deste fogo de lenha/ O destino não nos leva além/Mas se é para seguir para frente/não me empurre para as beiras das minas esgotadas”.

Com algumas criações vertidas ao espanhol, por Silvia Long-ohni, Arturo Ramiriz Hernández, e Tzinda Montaño, percorre o difícil percurso em mares revoltos, consciente de que assim é o tempo, e também o vento deste mundo, deste nosso mundo. Enfim se conforma: “nada pior que a ociosidade/Cava a eternidade/e deixa apenas uma cantiga/ de interminável grilo/que nada amarra para/ acontecer. - E vai se gastando/ em nada a vida/ enquanto o tempo sobra/ E o mundo está todo para ser feito”.

A despeito de julgar-se navegando “num mundo sem prumo e sem nauta”, o poeta admite que, “ainda que seja um vasto mar/ e a alma em deleite vá secar-se/ Ainda que o amor seja uma rocha/ e no deserto o coração vá navegar,/ Ainda assim o faroleiro atenderá”. 

Neste espírito e nesta confiança, o poeta de Silvânia, mas não só dela confessa: “Desarmo-me. Fico sem porrete, sem maça, cacete, estopim./ Deixo de armar armadilhas./ poderão estar tranqüilos/ como amigos no estupor do dia./poderão colher as pérolas,/ antecipar a percentagem extra./Não quebro, não amasso/não torturo.

Permaneçam incólumes/ O fogo e as torres, íntegros os talifúndios. “Pode se descuidar./ Ninguém estará exangue. Ninguém será derrotado./Não é um armistício/ ou ausência de furor./ Só quero estar pobre de vitórias.

Cada um plante o seu alecrim./ Desarmo-me. Nenhum blindado/ ou pata de cavalaria destruirá por mim”. Enfim, para o poeta, está tão escuro o dia, que todos se contradizem e não se encontram no melhor e mais afetuoso caminho, quando “desminlinguidos cobramos de alento”. 

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