No último dia 15, li aqui sobre o fechamento da Livraria Van Damme, tradicional estabelecimento da capital. Com 47 anos, encerrou atividades quando 2016 quase terminava.
A Van Damme tinha as próprias regras. Entre elas, não vender senão livros obedecendo a preço tabelado, não fazendo promoções ou apelando a valores fora dos fixados pela editora. Conquistou, assim, público cativo pela sua lisura.
Pai e filho tiveram a iniciativa e mantiveram o negócio durante quase meio século, encarregando-se, pessoalmente, de atender a clientela, a que dava especial atenção e com a qual mantinha diálogo, inclusive na indicação de livros. O filho explica: “Em função dos tablets, do Kindle e do on-line, as livrarias tradicionais acabam perdendo espaço”.
Mas espaços também perderam a Mineiriana e a Status, ambas na Savassi, que cerraram as portas no ano passado. Sinal dos tempos, a que assistimos com pesar e temerosos.
Nem tudo, todavia, desabou. O Instituto Cultural Amilcar Martins teve sua coleção de obras raras da Biblioteca Mineiriana inserida no Registro do programa Memória do Mundo, da Unesco. É fato digno por sua significação para Belo Horizonte e para o país. A cerimônia se realizou, no dia 6 último, em Brasília, com presença dos membros do respectivo Comitê, dos representantes das instituições contempladas, da Unesco e convidados.
O Instituto se consagrou núcleo precioso de saber, no centro de Belo Horizonte, na Rua Ceará, quase esquina com Contorno. Suas portas estão abertas para aqueles que se interessem pela história de Minas, sobre a qual muito se ouve falar mas poucos se animam estudá-la e pesquisá-la. Há segredos recônditos que precisam ser desvendados, muitos dos quais inseridos nas páginas dos milhares de livros da benemérita Casa. Enfim, a Unesco não iria conceder distinção de tão singular valia simplesmente por favor ou gentileza. O que o Instituto preserva, sob olhar vigilante de Amilcar e irmãos, tão dedicados igualmente à nobre causa, é algo que honra as tradições da gente mineira e à família, a que tanto já devemos no campo do saber.
Alegra testemunhar o bom resultado de empreendimentos de efetivo relevo para o país. Num período de tanta turbulência na vida nacional, a premiação por organização internacional ao ICAM revela que nem tudo está perdido: se a credibilidade política e econômica enfraqueceu, se há dissensões no campo oficial de cultura, se existem disputas por recursos na área das letras e das artes, ainda persistem os que se esforçam por valorizar e proteger a herança maior que gerações nos legaram; sem se envolver no labirinto sombrio da distribuição de recursos públicos, cujas informações de valores comparecem frequentemente nos espaços político/policiais da mídia.
Quem quiser conferir ou conhecer as dependências do ICAM lá encontrará um verdadeiro relicário de obras raras, adquiridas aqui e ali, no exterior, não localizáveis mesmo em bibliotecas oficiais. É algo que causa orgulho à capital de Minas, com volumes lá mesmo registrados carinhosamente por servidores competentes. Não foi à toa que a Unesco a premiou.