Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Manhã no Catete

18/08/2020 às 19:25.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:19

Aconteceu em agosto. Era 1954, Rio de Janeiro, capital da República. O escritor Fernando Morais conta sobre a madrugada do dia 24, com a nação em ansiedade após a execução do major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, dias antes, na entrada do edifício na rua Tonelero, em que residia Carlos Lacerda. As Forças Armadas exigiam a licença de Getúlio a fim de finalizar a apuração do crime, sem travas e traumas. A reunião ministerial do dia 23, no Catete, iniciada à noite, prolongou-se.

Às 5h30, o jornalista Arlindo Silva, de “O Cruzeiro”, que passara a noite esperando o resultado da grave e tensa reunião, viu que Lourival Fontes, chefe da Casa Civil, retirava a papelada das gavetas de Vargas e levara até o porta-malas de um carro. O jornalista pensou: Getúlio decidira licenciar-se.

A imprensa, que aguardava a notícia da reunião, decidira ir-se, mas Arlindo observou ninhos de metralhadoras e trincheiras de sacos de areia nos jardins do Palácio. O jornalista de O Cruzeiro foi ficando, na expectativa de que alguém informasse a respeito do que ocorrera. Às 6 da manhã, D. Darcy apareceu em uma janela, de óculos escuros, chorando e consolada por parentes.

Arlindo silva continuou perambulando entre as árvores. Só depois das oito e meia percebeu sair da ala residencial o diretor do DASP, Arísio Viana, em desespero, à busca de uma telefonista de plantão:

– Chamem o pronto-socorro, que é um ferimento grave. 

Depois, o próprio Viana deu um murro numa mesa e gritou:

– Como é que deixaram esse homem ficar sozinho, meu Deus?

Os telefones do Catete não funcionavam direito, impedindo a chamada de um médico com urgência. O jornalista se convenceu de que tinha de tomar alguma iniciativa. Saiu à rua e se dirigiu a um dos telefones da Light, nas proximidades. Ligou para o pronto-socorro municipal da Praça Mauá e solicitou uma ambulância. Rápido, para um caso de ferimento grave.

Arlindo não imaginava exatamente o que acontecera. Supunha que alguém da família dos Vargas se tivesse acidentado. Em poucos minutos, chegou a ambulância, com sirene ligada e estacionou junto a uma porta interna, pela qual entraram um médico e dois enfermeiros. Tomaram o elevador privativo que conduzia ao segundo andar.

Em poucos instantes, o médico apareceu transtornado, para esclarecer: – Não há mais remédio. O presidente está morto. Getúlio acabara de dar um tiro no coração. Nada havia mais a fazer. O jornalista só pôde pedir que sua revista mandasse um fotógrafo para registrar a ocorrência. Chegou um batalhão e, depois, mais repórteres, dos demais veículos de comunicação do país.

“O Cruzeiro” apareceu nas bancas. Tomava uma página inteira a foto de Getúlio, ainda no leito de morte, um lenço segurando o queixo, uma gota de sangue no canto esquerdo da boca.

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