Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Medicina em Cuba

21/11/2018 às 18:47.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:56

O Programa mais Médicos agoniza. Os profissionais cubanos, que somam mais de 8.300, deixarão o Brasil depois de o governo da ilha anunciar que interromperá a parceria. O problema está posto e se sabe à suficiência que as condições da prestação de serviços não agrada aos próprios esculápios caribenhos, nem mais a Brasília, que conhece o regime de servidão imposto aos que vieram para cá atender nossa clientela, sobretudo aquela dos cafundós, o que não atrai o interesse dos conterrâneos.

Durante muitos anos, a ideia que se tinha da medicina na ilha era a melhor possível, a julgar pelas notícias divulgadas, até por motivação ideológica. Nossos dirigentes em âmbitos federal, estadual e municipal tomavam o avião e iam a Cuba conhecer as maravilhas que lá se faziam. No entanto, nem todos tinham a mesma opinião. Até os de lá.

Alina Fernandez, filha de Fidel, médica formada pela Escola de Medicina de Havana, fazia reservas, mesmo tida como rebelde. Ela descreve um atendimento no Hospital Docente Manuel Fajardo, quando, à falta de melhor serviço, o professor Wagner explicava: “nossa missão internacionalista em Angola é prioritária para nosso governo. Por isso carecemos de alguns produtos e instrumentos que nosso exército precisa mais do que nós”.

A médica rebelde observou: “no hospital, as hierarquias funcionavam ao contrário. O sujeito mais importante era a merendeira, encarregada da dispensa, Deusa da Comida. Em seguida, vinham as enfermeiras, dominando todos os segredos inconfessáveis. Depois, nós, estudantes e, por último, os doentes”.

Outro depoimento de Alina: uma radiografia mal feita e outra desnecessária tinham levado um paciente a óbito. Sofria com um pulmão corroído pelo câncer. Esperou três semanas para consertarem o aparelho de broncoscopia até que o técnico, errando um orifício, o devolvesse com uma chapa do estômago. O professor Wagner manteve o doente “vários dias na cama com a cabeça para baixo, tentando despejar numa bacia tudo que tinham colocado em sua árvore bronquial”.

Nem tudo, entretanto, está perdido e medidas foram adotadas para assistência aos enfermos, além das profiláticas. Antônio Rangel Bandeira, cientista político, revolucionário dos anos rebeldes do regime militar brasileiro, e ex-exilado, de volta à pátria, fez comentários valiosos para um julgamento do atendimento médico na ilha. Em Havana, que pôs à prova pessoalmente, foi ferido na boca por uma espinha de peixe. Os estrangeiros são assistidos em clínica especial, um casarão bem cuidado, em Vedado. Duas enfermeiras sorridentes assistem a um filme da Europa Oriental pela televisão.

O médico, muito cordial, receita um antibiótico para bochechar. A consulta, incluindo o medicamento comprado ali mesmo, custa dezoito dólares, menos da metade do que pagaria no Brasil apenas para atendimento em clínica. Mas existe lá tratamento para vitiligo, um novo remédio contra câncer à base de cartilagem de tubarão, largamente exportados, o que parece não foi usado com Hugo Chávez, que lá faleceu. O tratamento é controvertido e contestado pela medicina de outros países. As autoridades cubanas alegam que a comercialização afeta interesses corporativos e de laboratórios internacionais. Os críticos dizem, a sua vez, que se trata de charlatanismo, com o propósito de obter divisas para o país, como no caso dos médicos, muitos dos quais desejam ficar no Brasil. Em outras condições, é claro. 

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