Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

No vendaval do impeachment

19/04/2016 às 19:58.
Atualizado em 16/11/2021 às 03:02

Depois de muitíssimas horas a assistir os debates e discursos sobre o impeachment pela televisão, não restaram exemplares lições de oratória, lucidez e patriotismo. Seria útil, assim, lembrar episódios da brumosa nuvem de uma tempestade que ainda paira sobre a nação. A repetitiva argumentação das duas correntes não contribuiu para deixar magistrais registros do que no Parlamento se disse, no quase sempre pobre e inadequado vocabulário (às vezes grosseiros) dos participantes das reuniões. Serviu, contudo, para revelar que houve interesse, até porque imprescindível, em respeitar a Constituição.

As sessões a que se assistiu mostraram o nível intelectual dos representantes que os cidadãos escolheram para representá-los. Algo que não exalta as tradições dos grandes tribunos que historicamente brilharam nas duas Câmaras do Congresso. Sem embargo, cumpriu-se, de algum modo, o que se esperava, pelo menos no que concerne à forma e ao ritual.

Estas observações conduzem naturalmente ao discurso pronunciado por Rui Barbosa, em 1920, aos formandos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. A peça pela riqueza de ensinamentos recebeu o título de “Oração aos Moços” e foi lida pelo professor Reinaldo Porchat, em face do debilitado estado de saúde do paraninfo. Quase um século após a solenidade, suas considerações merecem leitura e meditação pelo que contém de grandeza espiritual.

Não faltou a Rui ensejo de tecer críticas, enfatizando que estamos “num país onde a lei absolutamente não exprime o consentimento da maioria, onde são as minorias, as oligarquias mais acanhadas, mais impopulares e menos respeitáveis, as que põem e dispõem, as que mandam e desmandam em tudo; a saber: num país, onde, verdadeiramente, não há lei, não há moral, pública ou juridicamente falando”.

Meça-se a crueza no exame de uma situação ainda não inteiramente mudada. Perduram vícios, pois “no Brasil, a lei se deslegitima, anula e se torna inexistente, não só pela bastardia da origem, senão ainda pelos horrores da aplicação”. O estadista baiano, que não galgou à Presidência da República, não deixa escapar oportunidade de apelar às escrituras. Declarou: “Ora, dizia São Paulo que boa é a lei, onde executada com legitimidade.

As sessões a que se assistiu mostraram o nível intelectual dos representantes que os cidadãos escolheram para representá-los

Para Rui, “de nada aproveitam leis, bem se sabe, não existindo quem as ampare contra os abusos; e o amparo sobre todos essencial é o de uma Justiça tão alta no seu poder, quanto na sua missão”.

Em determinado trecho de sua célebre oração, Rui lembrou Canuto, rei dos vândalos. Este mandara executar uma quadrilha de salteadores quando um deles pôs embargos, declarando-se parente de “el-Rei”. Foi peremptório Canuto na decisão: “Se provar ser nosso parente, que o coloquem na forca mais alta”.

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