Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O Baú de Geraldo Elísio

28/10/2016 às 21:08.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:26

Editado o “Baú de Repórter”, de Geraldo Elísio, que acrescentou ao título “Memórias do Jornalismo Analógico”. O livro constitui uma síntese, evidentemente não concluída da vida do jornalista popularmente conhecido como Picapau, atuante durante cerca de seis décadas na imprensa, inicialmente em sua Curvelo, a partir do rádio e do futebol.

Com prefácio de Ângela Carrato e posfácio de Mauro Werkema, ambos com um respeitável currículo na imprensa e em atividades ligadas ao jornalismo, às artes e à cultura, Geraldo Elísio conta um pouco de sua carreira, desencadeada tão logo vencida a adolescência. 

O autor começa por contar sua própria vida, desde a cidade natal até a época de estudante, o início ao microfone, as peripécias, seus contatos com os ases e com os empreendedores da radiofonia mineira naquele período. 

É um capítulo interessante, porque põe o leitor em contato com o rapazola magro e tímido, que não temia adentrar os caminhos da comunicação. Vale a pena conhecer, para que não se pense que Geraldo Elísio entrou no meio pelas vias do favoritismo e da bajulação. No cumprimento da missão jornalística, manteve contato com as maiores expressões da política e da administração do país.

O relato, minucioso e autêntico, abre as portas do cotidiano político a quem se interessar. Em tanto tempo de diária labuta, Picapau viu muito, ouviu, sentiu e aprendeu, conseguindo conquistar o cabedal de fatos que preenchem as três centenas de páginas de seu livro (porque ele tem outros). O Baú é valioso.

Episódios descritos em detalhes, como a recusa de Magalhães Pinto em não desencadear a Revolução de 1964, ou golpe – como querem outros. O chanceler Santiago Dantas, da equipe de Goulart, tentou intermediar e sustar o movimento, mas o governador mineiro chegou a negar-se atender a telefonemas. 

Muita gente de proa, por motivos óbvios, é referida no livro. Geraldo Elísio lembra, por exemplo, episódio envolvendo o ativista da esquerda Gilberto de Faria, com atuação destacada nos anos 60. Esse Gilberto, que nada tem a ver com o banqueiro falecido, participou de uma ação de expropriação junto com Marcio Lacerda, codinome Gringo, atual prefeito de Belo Horizonte. Gilberto, aliás, o salvou quando atingido por um disparo acidental de arma de fogo, durante frustrado assalto à Mercearia São Vicente. Quem cuidou do ferido foi Valdete Rolim, ex-esposa do companheiro de atentado e com atendimento médico do dr. Fernando Coutinho.

Pelo que se depreende do exposto, esse Gilberto de Faria era uma fera na militância. Trabalhou em outros países, inclusive Peru e na Europa. Estando em Praga, foi designado para missão em Angola, na luta pela independência, posicionando-se ao lado ou sob Agostinho Neto, com comando do coronel soviético Yuri Sergeievitch.

Gilberto usava o codinome e passaporte peruanos como Juan Moreno llamorca. Em Dakar, Senegal, o avião foi detido por um comando especial negro da política local. Havia ordem de prisão para todos. O avião se mantinha detido na pista quando entraram dois cidadãos altos, loiros, de olhos azuis, agentes da CIA, para interrogar, em espanhol. Gilberto foi detido e recebeu o aviso: “Pode falar em português, pois sabemos ser brasileiro”. Nesse ínterim, surge ordem para ninguém ser preso e se permitir a retomada do voo. 

Um agente da CIA disse a Gilberto: “pode esperar: nos encontraremos em outro aeroporto”. 

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