Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O direito de mentir

29/08/2016 às 20:47.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:36

Pode parecer que garimpo as más notícias para comentá-las. Mas não é assim. A violência está presente e explícita em todos os lugares e momentos. O ministro Alexandre de Morais, da Justiça, foi ao hospital onde se encontrava, dias atrás, um membro da Força Nacional, baleado com um tiro na cabeça e morto por criminosos.

O dispositivo do Exército entrara por engano na Boca do Papai, na Vila do João, complexo da Maré, Norte do Rio, já famoso pelas muitas e sucessivas ações da bandidagem. Os projéteis atingiram três agentes da lei e da ordem, um dos quais Hélio Vieira, procedente de Roraima, que fora ao Rio de Janeiro para participar de proteção aos Jogos Olímpicos.

Certamente, as Forças Armadas não sabem que há locais no subúrbio carioca, em que é proibido ingressar, sequer por equívoco. São territórios entregues a quadrilhas, regem-se por seus próprios ditames e normas e o poder público ali não tem gerência ou ingerência. O jovem militar saiu de um estado, longínquo, para ser assassinado em nome da Olimpíada na maravilhosa cidade.

Não sei se a família da vítima se sentirá suficientemente correspondida e grata ao governo pelo luto oficial decretado, quando a bandeira tremulou, ou teria tremulado, por um dia, em todas as repartições públicas. As bandas de música permaneceriam em silêncio, exceto o tarol e o bombo que marcam a cadência. O corneteiro realizaria todos os toques previstos, inclusive a marcha batida. A baixa de um jovem militar talvez não mais constrange, causa surpresa ou merece dor da população. É rotina.

Neste ínterim, não foi localizado o corpo do piloto da Marinha, desaparecido na queda de um caça no mar, durante o treinamento para as Olimpíadas. Valeria a manchete para os jornais: “O vôo da morte”. John Coates, vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional, observou: “Têm sido muito difícil. Esses têm sido os jogos mais difíceis que tivemos, em termos de política e economia. Foi uma luta”. Mas não somente Coates sente a mudança lastimável. O povo a percebe na pele e no bolso. Argumentou: “Sete anos atrás, quando eles (o Brasil) foram selecionados, estavam prestes a alcançar o 5º maior PIB do mundo; agora, estão em 74º lugar”.

Como a situação se transformou! Mas daqui a pouco se terá de produzir as Paraolimpíadas, se houver dinheiro, (e para determinadas atividades, ele não falta). Além do mais, cumpre fazer de conta que tudo ainda bem, embora as perspectivas não sejam das melhores e devamos aguardar dias sombrios com os novos ventos que a Primavera trará. Nem tudo são flores, mesmo na estação colorida que começará.

O sonho do Ouro nos esportes será logo pretérito para muitos competidores, enquanto permanecemos afogados em uma crise, de que os principais autores e atores se dizem inocentes. Salvo melhor juízo. É preciso extirpar de nossos costumes o direito de mentir, distorção do direito do silêncio, como afirmou Adilson Abreu Dallari. Em verdade, esse “direito” não coaduna com os valores constitucionais, no que concerne à administração pública, evidentemente sem abolir os direitos fundamentais dos acusados.

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