Lendo “O outro Pedro e a Outra Madalena segundo os apócrifos”, de autoria de Jacir de Freitas Faria, que Yara Tribuzzi gentilmente me enviou, tive ensejo de aprender mais a respeito do inferno, além do que ensina Aurélio Buarque de Holanda Ferreira em seu popular dicionário da língua portuguesa.
Pois bem. Jacir, padre e frade franciscano, que fez seus estudos de mestrado em exegese bíblica no Pontifício Instituto Bíblico de Roma, lembra que a nossa linguagem conserva expressões referentes ao inferno. Quando a situação está ruim, dizemos: “está um inferno”. Quando um árduo verão chega, é comum ouvir-se: “que calor infernal”.
Acrescenta o sacerdote que até a história do Brasil Império conservou uma expressão nada simpática a nosso país. “Os portugueses exigiam que um quinto de nosso ouro fosse levado para Portugal. E, quando o ouro lá chegava, se dizia: é o quinto – vindo dos infernos”. Por aqui, tornou-se comum ouvir alguém mandando alguém para o quinto dos infernos. Isso significa, nada mais, nada menos, que mandar-se para o Brasil, “lugar longe, distante, ruim, e perigoso para os portugueses daquela época”.
Passados séculos, comemorada a data da Independência brasileira no ultimo dia 7 de setembro, poder-se-ia meditar sobre a expressão e seu verdadeiro sentido. Estamos ou somos mesmo um inferno? O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, afirmou no discurso de posse, conciliador, que não estamos sequer em crise, pois somente em “transformação”. O brasileiro espera que a transformação seja realmente para melhor, porque não a sentíamos tão cômoda e feliz como se desejaria.
Ao falar por cerca de uma hora, o novo titular do STF, exaltou, como publicaram os jornais, a pluralidade e o respeito ao outro como “essência da democracia”, evidentemente sem tocar, porque inadequado, no episódio em que fora ferido gravemente um candidato a presidente da República.
Sobre o tema, aqui mesmo, neste jornal, o advogado Antônio Álvares da Silva, professor titular da Faculdade de Direito da UFMG, publicara com diferença de dias: “a facada em Bolsonaro é o exemplo máximo da intolerância política. Quem quiser combatê-lo deve usar a força da palavra e não os instrumentos primitivos da violência e das armas. Democracia não é só liberdade. É também tirocínio e responsabilidade para entregarmos a pessoas certas a missão de agir em nosso nome para a construção do bem comum”.
Não somos uma Nicarágua ou uma Síria, mas estamos muito distantes do que cada cidadão desejaria para si e sua pátria. O Brasil é consciente de que temos de aprender muito e nossas lideranças assimilarem na prática o que ensinam nossos melhores pensadores e estadistas de superior nível, por motivos sabidos e consabidos: “nos países em que há serenidade, respeito aos direitos humanos, construção filosófica e definitiva da liberdade e o direito de expressá-la em qualquer lugar, ninguém se deixa enganar por demagogos, salvadores, demiurgos e todos os que julgam ter na palavra exagerada e falsa a salvação de tudo”.
Se assim não for, terminaremos no “quinto dos infernos”.