Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

O sexo dos anjos

09/06/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 08:59

As expressões “quem pensa não casa” ou “quem casa não pensa”, encontradiças por todo o território deste país, não seriam antagônicas, nem sinônimas, como inicialmente se julgaria. Mas a análise das duas curtas frases pode ser considerada sob um espectro mais amplo.

É o que se concluirá possivelmente de fatos, coisas e personagens que existem entre nós. Se o leitor se der ao trabalho de ler o ensaio “Yeshua, o Hasid”, de Daniel Matt, ficará encabulado com situações históricas enfrentadas pelo cristianismo e o judaísmo. 

Matt começa por perguntar: “Por que desejariam os judeus ter alguma coisa a ver com Jesus? Em seu nome, os judeus foram perseguidos e assassinados. O cristianismo afirmou ter suplantado o judaísmo”. Daí, a pergunta resultante: Séculos de antissemitismo cristão assentaram as bases para o extermínio que Hitler perpetrou contra um terço do povo judeu, logo, por que deveria algum judeu se interessar pela vida de Jesus e por aquilo que ele ensinou?

Verdade que a história do relacionamento judaico-cristão maculou e tornou impura a imagem de Jesus. Mas ambos têm de reavaliar a tradição uns dos outros, não bastando a absolvição dos judeus pelo Vaticano diante da culpa coletiva pela morte do filho de Maria. E os judeus deveriam reivindicar Jesus: por ter ele adquirido por sua visão do judaísmo, por ter-se tornado apaixonado por Deus, pelo divino, anticonvencional e extremo em sua devoção a Deus e seu semelhante”. 

Interessante a posição de Jesus com relação aos judeus, sua própria gente. Ele reafirmava que fora enviado para os judeus, estando os doze apóstolos proibidos de proclamar o Evangelho a gentios e samaritanos. Mais tarde, os seguidores de Paulo (que sequer conheceu Jesus em carne e osso), desconfiaram do próprio líder. Este sustentava que o nazareno tinha como fulcro Israel, enquanto o seu discípulo teria ensinado o comprometimento com a Torá. 

De acordo com Mateus, Jesus declarou: “Não penseis que vim abolir a Torá e os profetas, não vim para aboli-los, mas para dar-lhes cumprimento. Pois em verdade, em verdade vos digo que, antes que o céu e a terra deixem de existir, nenhuma letra nem uma vírgula haverão de ser tiradas deles até que tudo se cumpra”. 

Ora, o assunto é inesgotável. Em Mateus, 7.12, Jesus ensina o essencial: “Ama o teu próximo”. “Tudo o que desejais que os outros façam a ti, fazei também a eles. Pois nisso consistem a Lei e os Profetas”.

No entanto, na geração anterior à de Jesus, Hillel disse algo semelhante, mas não igual, pois usou a negativa: “O que é odioso para ti, não o façais ao próximo”.

Para Matt, Hillel era um típico rabino de seu tempo: mais terra a terra; mais prático. Jesus era mais exigente, mais extremo, mais hassídico. 
Estas dúvidas e interpretações parecem repetir-se nas intermináveis e já cansativas discussões sobre detalhes políticos e jurídicos em discussão na capital federal.

Tribunais e comissões do Parlamento debatem em minudências problemas tipo sexo dos anjos, para justificarem interesses e argumentos os mais diversos, inclusive o cargo de presidente da República, enquanto o povo, pobre povo! Somente pensa em arranjar algum dinheirinho para alimentação e outras despesas. O que se quer é simplesmente sobreviver, e isso não está nada fácil.

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