O Dia da Criança, o Mês da Criança não serão mais iguais este ano, depois da tragédia que se abateu sobre Janaúba, na Creche Gente Inocente, com um elevado cômputo de vítimas fatais ainda não definido. Por um capricho, o autor do crime coletivo foi um cidadão, Damião Soares dos Santos, nome do mártir, cuja data se festeja em 27 de setembro, com o irmão Cosme. Sofreram tormentos inexcedíveis e a degola em Egeia, na época do imperador Diocleciano, pelo ano 287. Dedicados à medicina, são patronos dos cirurgiões e seus corpos descansam numa igreja com seus nomes em Roma.
Há anos, bem anos, Rubem Braga, o grande cronista capixaba que viveu parte da vida em Belo Horizonte, publicou uma “Oração aos Santos Cosme e Damião”, em que começa rogando: “Protegei os meninos do Brasil, todos os meninos e meninas do Brasil”. È um texto de rara beleza, em que há também apelo à proteção dos “meninos ricos, pois a riqueza não impede que eles possam ficar doentes ou tristes, ou viver coisas tristes, ou ouvir ou ver coisas ruins”.
Mas a proteção é também para os meninos dos casais que se separam e sofrem com isso, os filhos dos bêbados e estúpidos e também os meninos das mães histéricas e ruins; mas ainda para o menino mimado a quem os mimos podem fazer mal e para os órfãos, os filhos sem pai, e os enjeitados: ao menino que estuda e o moleque de rua, que só sabe pedir esmola e furtar.
“Não só: a proteção é ainda para os meninos protegidos pelos asilos e orfanatos, que aprendem a rezar, a obedecer e andar na fila, a ser humildes”. Oh, São Cosme e São Damião, protegei muito os pobres meninos protegidos!”.
Um parágrafo vai por inteiro: “Protegei, sobretudo os meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e os meninos amarelos e barrigudinhos da roça, protegei suas canelinhas finas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobra e seus olhos que podem pegar tracoma, afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande e abandonado menino triste e que é o nosso Brasil, ó glorioso São Cosme, glorioso São Damião”.
E protegei também, digo-o eu, as denodadas e heroicas professoras, que ganham pouco mas são capazes de atos de solidariedade que lhes rouba a vida com chamas, como Heley Abreu Batista, mulher e mãe. Mas ainda recorro a Baudelaire, que faleceu há 130 anos, e pediu em sua “Oração pelos loucos e pelas loucas”.
O pedido é dirigido a Deus, que fez a Lei e a Liberdade, o juiz que perdoa: “Senhor, tem piedade, tem piedade dos loucos e das loucas! Ó Criador! poderá acaso existir monstros aos olhos d’Aquele que é o único que sabe porque é que eles existem, como se tornam tais, e como poderiam não ter sido monstros?”.
Esta nação está em dor, pelos túmulos que confrangem coração, famílias esmagadas por tragédias que a mídia relaciona e amplia a cada hora e dia, mulheres que choram, crianças que morrem ou sofrem.
Mas há os que se vangloriam porque o Dia da Criança geraria quase R$ 9 bilhões ao comércio em 2017.