Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Os movimentos de rua

25/10/2018 às 20:15.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:26

Protesto houve quando se registraram reajustes nas tarifas de transporte coletivo nas maiores capitais. Muita movimentação nas ruas, redes sociais em ação imediatamente, os dispositivos das forças policiais se apressaram para coibir excessos, o que não resultou tão proveitoso como se esperava.

Generalizada a insatisfação com os agentes públicos, exasperados todos os que precisam da máquina administrativa, sempre alegando que pagam impostos em dia, que a Justiça é lenta, que a desonestidade campeia, que a solidariedade morreu ali na esquina, que a polícia é violenta.

Alguém, não sei quem, escreveu ao circunspecto Fernando Guedes de Mello, dizendo da publicação na mídia de discursos e análises de pseudointelectuais da pseudoelite da pseudoesquerda, tentando racionalizar e enquadrar os acontecimentos na velha retórica revolucionária, que deixaria o velho Marx com náuseas e arrepios. Fariam ainda Trotsky chacoalhar os ossos na cova da mais profunda indignação. E opiniões de ranzinzas, acomodados e bem de vida, que consideram a voz das ruas uma obra de satanás.

Antônio Prata observou os manifestantes – punk de moicano e playboy de mocassim, patricinha de olho azul, barbudos de suposto partido comunista – exigindo que se reestatize o que foi privatizado. Gente que se revoltava com os R$ 0,20 de aumento da passagem e neguinho que não rela a barriga na catraca de ônibus há décadas. Ninguém entendia nada. Nem imprensa, nem políticos, sequer os manifestantes. Aquela multidão toda gritando, cantando. Tudo por causa dos R$ 0,20? Ninguém pensando em preço de remédios, de ingresso para a próxima partida de futebol, das filas do SUS. 

Muitas milhares de pessoas nas vias públicas nos dias de manifestações. Esperaria alguém, quem sabe, que os problemas nacionais se resolveriam ou que simplesmente as autoridades retrocederiam na decisão da tarifa de coletivos? 

O repórter perguntou a uma jovem: “por que você está aqui no protesto?”. Ela não se fez de rogada, tinha resposta na ponta da língua: “olha, não consigo imaginar uma razão para não estar aqui, na verdade”. Enumerou: “corrupção, impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os estádios para a Copa, IDH, a qualidade das escolas e hospitais públicos são todos excelentes motivos para que se saia às ruas e se tente melhorar o país – mas já o eram duas semanas atrás; por que não havia passeatas? Será porque a chegada do PT ao poder anestesiou os movimentos sociais, dificultando a percepção de que o Brasil vem melhorando, melhorando e continua péssimo? Ou será porque agora o Facebook e o Twitter facilitam a comunicação?”.

Se as dúvidas sobre as motivações já são grandes, o que dizer sobre o futuro do movimento? Marchará ou murchará? Caso cresça: conseguirá abaixar a tarifa? E, no longo prazo, terá alguma relevância? Mais ainda: adianta ir às ruas fazer barulho? Ou a própria passeata extingue o impulso de revolta que a criou e voltamos todos para o mundinho idêntico de todos os dias, com a sensação apaziguadora de que “fiz a minha parte”?

Em São Paulo, pedras quebraram a fachada de vidro e bala atingiu uma das portas da Biblioteca Mário Andrade, da USP. O professor Luiz Armando Bagolin comentou que não se tratava de mera reclamação pelo reajuste de preços de passagens de coletivos. Era 2013 e o prédio foi pichado. “Atacar uma biblioteca pública não é apenas uma contingência do momento político, tampouco um efeito colateral adverso na luta dos manifestantes. Representa, na verdade, uma crise mais profunda em nossa sociedade”. 

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