Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Pelos que sobrevivem

29/03/2018 às 06:00.
Atualizado em 03/11/2021 às 02:04

A execução de Marielle Franco, vereadora no Rio de Janeiro, em 14 de março, obscureceu as notícias sobre o falecimento, na madrugada do mesmo dia, de Stephen Hawking, na Inglaterra. Considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos, estudava a natureza da gravidade e do universo, temas que não fascinam o brasileiro.

Stephen era branco, nascido em um país de primeiro mundo, tinha 76 anos, e ganhara celebridade com sua teoria do espaço-tempo, aplicando a lógica dos buracos negros a todo o universo. Aliás, tudo muito bem exposto no seu “Uma breve história do tempo”, livro só lançado em 1988, um dos 14 que escreveu. 

O pormenor é que o personagem, tão relevante para as ciências, sofria de Esclerose Lateral Amiotrófica, que transmite rastros de dor e amargura aos seus pacientes. E também a suas famílias, aos médicos que deles cuidam, como contado em “A teoria de tudo”, que rendeu, no cinema, um Oscar ao ator que interpretou Stephen.

Uma enfermidade terrível. No caso de Hawking, a esclerose lhe foi diagnosticada aos 21 anos, quando só conseguia movimentar um dedo e os olhos voluntariamente. Como as dificuldades não afetaram sua capacidade intelectual, seguiu rumo, usando um sintetizador eletrônico para falar. Sua vida pessoal, a despeito de tudo, continuou: casou duas vezes e teve três filhos. Não reclamava da desdita e se manteve fiel a seus projetos.

Suas ideias desafiavam a teoria da relatividade geral, que consagrara Einstein, que por sinal viveu igual número de anos. Aliás, o detalhe não escapou aos interessados e curiosos: o sábio britânico morreu no mesmo dia e mês em que Einstein nasceu. E há mais: o físico nasceu exatamente 300 anos após a morte de Galileu Galilei, italiano nascido em Pisa, de família florentina empobrecida.

A despeito dos desafios da saúde, o inglês de Cambridge não estava de mal com a vida: cativava as pessoas, participou de filmes e séries de televisão, como acabo de ler. Assim aconteceu com “Os Simpsons”, “Star Trek” e a comédia “The Big Bang Theory”. Deixou, contudo, um pedido: que sua fórmula matemática fosse inscrita no túmulo. Suas cinzas serão enterradas ao lado de Isaac Newton, na Abadia de Westminster, principal igreja da Universidade em que Hawking lecionou, 52 anos, apesar de sua situação especialíssima.

Enquanto se espera a conclusão das investigações sobre Marielle, assassinada na noite carioca, lembraria que este crime permanece na sombra, com 45% de favelas cariocas dominadas por milicianos, com 2 milhões de pessoas das comunidades sob o jugo dessas organizações, que faturam anualmente R$ 145 milhões, só com transporte irregular. Os traficantes têm outra organização e maior faturamento.

Como Rubem Braga, oremos pelos meninos pobres dos morros e dos mocambos, os tristes meninos da cidade e dos barrigudinhos da roça, protegendo suas canelinhas finas, suas cabecinhas sujas, seus pés que podem pisar em cobras e seus olhos que podem pegar tracoma. Afastai de todo perigo e de toda maldade os meninos do Brasil, os louros e os escurinhos, todos os milhões de meninos deste grande pobre e abandonado meninão triste que é o nosso Brasil.

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