Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Sangue na Nicarágua

25/06/2018 às 20:36.
Atualizado em 10/11/2021 às 00:59

Arrogante, o presidente Trump trata com menosprezo os países latino-americanos, que os mais ousados na linguagem crítica chamam de “América Latrina”. De todo modo, o hemisfério Sul do novo mundo e parte da América Central não encontraram meios para vencer a pobreza, a miséria, sequer manter-se honrosamente entre os conhecidos como “emergentes”.

Há muito de errado com os que formamos tão significativa parte do mundo. O Brasil chegou a ser a quinta economia do planeta, mas seu povo sofre hoje uma espécie de decadência. Manoel Bonfim, um brasileiro que nasceu no final do século XIX, sentiu o problema e observou: “temos visto, é verdade, povos que, após um certo período de progresso, chegados a um estado de civilização superior, degeneram e decaem: mas não se pode afirmar que existem povos condenados a uma eterna barbárie, por serem essencialmente incapazes de progredir. É que a decadência e degradação têm como causa um fator que surge com o próprio progresso da civilização – é o parasitismo; sempre por toda parte o parasitismo, causa das causas, causa primeira, resumindo a história de todas as decadências em que vão desaparecendo os povos e as civilizações. Progride o povo, organiza-se o trabalho, acumula-se a riqueza, e a nação se distribui, então, em duas camadas: uma espessa; a maioria, embaixo, penando, trabalhando; outra em cima, dormindo, dirigindo, gozando o fruto do trabalho dos que vivem miseravelmente e que são os únicos a produzir. Chega-se a um momento em que essa classe dominante concentra em si, efetivamente, todas as funções sociais (fora o trabalho material), assenhoreando-se de todos os encargos sociais...”, e daí para frente. 

Estas reflexões me vêm agora, diante da situação dramática que vive a Nicarágua mais uma vez. Lá se atravessa uma herança do ódio. Para se explicar a causa, bastaria lembrar o tempo do ditador Anastasio Tacho Somoza, que disse, em determinada oportunidade: “vou garantir a paz neste país a qualquer custo. Ainda que tenha de disparar contra cada homem na Nicarágua para conseguir isso”. Agora, o presidente Daniel Ortega, fiel aliado de Hugo Chávez, está em profundas dificuldades (no passado fora acusado de abusar de uma enteada, de 12 anos). A mãe, Rosario Murillo, chegou a acumular vários cargos no governo, em contrapartida pelo silêncio em torno do crime durante 20 anos. Manteve-se, assim, no poder, enquanto a Nicarágua se estacionava entre os países mais pobres do continente, com mais da metade da população em estado de máxima pobreza. 

Há poucos dias, conseguiu-se publicar uma carta aberta aos policiais, em que se adverte: “o regime de Daniel Ortega já está acabado. Vocês precisam deter de uma vez por todas este insensato banho de sangue”. Os cidadãos, de mais de 4 mil cidades (é o que leio em jornal brasileiro) pediam para que a violenta repressão tenha fim, quando quase duzentos mortos se somavam, além de 1.340 feridos, desde 18 de abril.

O documento diz ainda: “deixem suas armas, peguem seus escudos e se unam a nós, porque, quando desaparecer o poder da família de Daniel Ortega e sua esposa (a vice-presidente) Rosario Murillo, vocês ficarão sozinhos e desprotegidos”.
Até o momento em que redijo este registro não houve manifestação oficial, e as perspectivas de novas mortes continuam. Pobre América! 

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