Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Sem Mujica

Publicado em 28/05/2025 às 06:00.

Quem assistiu pela televisão,  em meados de maio,  ao sepultamento de José Alberto Mujica e aos atos que o antecederam não compreendeu exatamente o que eles representaram. Em verdade, somente um mais cuidadoso aprofundamento na história do país sulino sentirá mais de perto o que é o seu Pepe para o bravo povo do Uruguai. 

Vítima de câncer no esôfago e fígado, o irrequieto presidente que se tornou a mais importante personalidade da esquerda latino-americana, mercê de sua singular maneira de viver e de enfrentar os acontecimentos políticos da pátria, dela se despediu aos 89 anos, pedindo para ser sepultado em sua pequena propriedade rural nas proximidades de Montevidéu, junto às cinzas de sua inseparável amiga, a cadelinha Manuela, que tinha apenas três patas. 

A luta pela sobrevivência e independência do Uruguai é uma epopeia que remonta ao século XVIII, quando a região do atual país era habitada pelos índios charruas, chamamés e guaranis. Em 1624, os espanhóis criaram uma colônia em Soriano e, em 1680, os portugueses estabeleceram Colônia de Sacramento, mas foram expulsos pelos espanhóis em 1726. 

Nem a ação de José Gervásio Artigas, entre 1810 e 1814, ao liderar uma insurreição armada para dominar Montevidéu, conseguiu paz. Em 1821, o território passou a pertencer ao Brasil com o nome de Província Cisplatina. Mas a luta não terminou.

Sob os partidos Blanco Colorado permaneceu o impasse. Jamais faliu, contudo, o sonho de independência plena conquistada a duros sacrifícios. 

Crises econômicas e políticas foram numerosas. Mas o ideal maior prevaleceu. Em outubro de 2000, o candidato da Frente Ampla foi vencedor com José Mujica, tornando-se o primeiro ex-guerrilheiro a assumir a presidência.

Enfrentou as dificuldades de toda natureza e de todos sem recuar. Tornou-se líder da guerrilha urbana, no Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros, ativa no Uruguai entre 1960 e 1972, sendo responsável por roubos, sequestros e assassinatos na luta contra a ditadura militar. Suportou 12 anos de prisão em meio a torturas e condições desumanas, ao ponto de não poder tomar um copo de água à noite. Perdeu muitos dentes durante a vida na prisão, embora sem julgamento ou acusação. 

Libertado em 1985, reintegrou-se à vida política e, em 1989, fundou o Movimento de Participação, a cuja frente esteve até a morte. Antes da presidência foi deputado, ministro da Pecuária e Agricultura e Senador. Foi casado com Lúcia Topolansky, ex-guerrilheira, ex-senadora e ex-vice-presidente.  

“Se você nos deixou algo, foi a esperança insaciável de que é possível fazer melhor”, escreveu o presidente chileno Gabriel Boric, sobre Mujica. 

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