Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Um resgate precioso

29/09/2016 às 18:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:02

Minha amiga Ana Maria Fourcade Arenillas, que mora na rua Arenal Grande, em Montevidéu, ficará satisfeita e surpresa quando lhe der a notícia de que, em 16 de novembro, na Casa das Rosas, em São Paulo, será lançado um livro de seu patrício Francisco Espínola. Não me lembro de o pai de Ana Maria, poeta de belas qualidades, Enrique Romero, ter-se referido a Paco (o apelido), durante as longas conversas no tempo em que vivi na capital uruguaia. 

Agora, Nicodemos Sena, escritor brasileiro nascido em Santarém do Pará, autor de excelentes qualidades, anuncia a edição de “Sombras sobre a terra”, de Espínola, que a Letra Selvagem, de sua propriedade, decidiu apresentar ao Brasil. O tradutor Erorci Santana, Ronaldo Cagiano, o conceituado escritor e crítico brasileiro, e Leonardo Garet, autor e professor uruguaio, um dos prefaciadores, discorrerão sobre o ficcionista da terra de Artigas. 

Francisco Espínola nasceu em San José de Mayo, em 1901, em uma família de tradição blanca, conservadora, até que se inclinasse à esquerda, em 1962; sessenta e anos depois, portanto. Professor universitário, crítico literário e teatral, combateu a ditadura do presidente Gabriel Terra e sofreu prisão em Paso Morlán. 

Sua vida e períodos da história de seu país e de sua gente caminharam juntos. Espínola gostava de falar, e o fazia aos amigos por muitas horas, para enlevo do reduzido grupo. A descrição de sua postura física e de sua maneira de ser diz bem de uma época que não mais existe: vestia-se sempre de escuro, com gravata e colarinho quebrado nas pontas, camisas condizentes com os trajes formais, fortemente engomado, aliás como aparecia nas fotos e nas caricaturas. 

No entanto, gostava de anedotas e se aprazia em contar as que sabia. Morreu no momento apropriado, isto é, na madrugada de 27 de julho de 1973, quando a democracia uruguaia sofreu brutal atentado. Segundo um relato, choraram-no em silêncio, enquanto as marchas militares ocupavam a programação das emissoras de radio. 

Gostaria de dizer que Alberto Zum Felde, principal crítico uruguaio da época, identificava semelhanças entre sua obra e Dostoiévski, o que já constitui um grande elogio. De fato, há algo em Espínola que lembra o autor de obras-primas como “Crime e Castigo” e “Gente Pobre”. 

O resumo: Na narração, o protagonista é um órfão de pai assassinado e de mãe tuberculosa, que falece após longo sofrimento. No imenso e solitário casarão em que vive, Juan Carlos experimenta solidão psicológica e interior. Enfrenta os perigos do mundo, que se desenvolve à revelia de valores, e o personagem acompanha o rodas da carruagem da existência, sem nada poder fazer para amenizar suas dores e angústias, ou as de seus semelhantes.

Com a publicação de “Sombras sobre a terra”, Nicodemos Sena dá, mais uma vez, o testemunho prático de tornar público autores até aqui desconhecidos ou pouco conhecidos no Brasil ou no exterior. Silvana Tanzi, em “Busqueda”, de Montevidéu, já trouxe um extenso comentário sobre a importância do editor para os autores subestimados pelas maiores editoras. Espínola bem o merece.

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