Na hora difícil que a nação atravessa (já se vai tornando cansativo repetir), não custa comparar o que aqui acontece com o que consta do manifesto do Partido Republicano, aprovado em 3 de dezembro de 1870, no velho Rio de Janeiro, capital do país. A reunião, a primeira, foi presidida pelo mineiro Cristiano Benedito Ottoni. O documento é claro, lúcido e não esconde; antes pelo contrário, como convinha. Na Exposição de Motivos, sentenciava:
“A imprevidência, as contradições, os erros e as usurpações governamentais, influindo sobre os negócios internos e externos da nossa pátria, hão criado esta situação deplorável, em que as inteligências e os caracteres políticos parecem fatalmente obliterados por um funesto eclipse”. E era 1870...
Dizia mais: “De todos os ângulos do país surgem as queixas, de todos os lados políticos surgem os protestos e as revelações estranhas que denunciam a existência de um vício grave, o qual põe em risco a sorte da liberdade pela completa anulação do elemento democrático”.
Acentua-se que “os agentes reconhecidos pela lei fogem à censura pela alegação da força superior que os avassala. A seu turno, o elemento acusado retrai-se à sombra da responsabilidade dos agentes legais”.
Neste país, que se presume constitucional e onde só deveram ter ação poderes delegados, responsáveis, acontece onipotente, perpétuo, superior à lei e à opinião, e esse é justamente o poder sagrado, inviolável e irresponsável.
Acrescenta: “Esse desiquilíbrio de forças, a essa pressão atrofiadora deve o nosso país a sua decadência moral, a sua desorganização administrativa e as perturbações econômicas que ameaçam devorar o futuro depois de haverem arruinado o presente”.
E em outro parágrafo: “A sociedade brasileira, após meio século de existência como coletividade nacional independente encontra-se hoje, apesar disso, em face do problema de sua organização política, como se agora surgisse do caos colonial”.
E quase no final: “As reformas a que aspiramos são completas e abrangem todo o nosso mecanismo social. Negá-las absolutamente fora uma obra ímpia perante os nossos concidadãos”.
Vê-se, assim, que – transcorridos todos estes casos da experiência republicana – ainda estamos atrasados. Do ponto de vista ético especialmente, resta muito a construir para que o ideal dos autores do manifesto de 1870 se instale de vez e prospere. Vivemos, neste primeiro semestre de 2021, problemas agravados e desafios que cabe a esta geração resolver para que a nação cumpra sua destinação histórica.