O presidente da República declarou, há dias, que é Messias (parte de seu nome), mas não faz milagres. Não demorou senão mais dias para classificar seu ex-ministro da Justiça de “Judas”.
E daí?
O Judas, da história religiosa, era um dos apóstolos de Cristo – e não o único com esse nome –, traiu o Mestre e entregou-o ao Sinédrio, que não pôde executá-lo, porque a atribuição lhe fora subtraída pelos romanos. Houve aquilo que já se sabe, está também no Novo Testamento. O ritual de condenação passeia entre romanos e judeus, bem como nos meandros da Justiça brasileira. A Justiça tem de ser cuidadosa para não cometer injustiça. Pedro Rogério Moreira, confrade na Academia Mineira de Letras, em livro atraente e útil sobre as curiosidades da Bíblia, evoca os fatos. Executando Jesus no Gólgota, Judas sentiu-se arrependido e envergonhado e, na mesma madrugada, dirigiu-se ao Templo para devolver o dinheiro. Os sacerdotes, porém, considerando o dinheiro espúrio, não quiseram recebê-lo. Judas, mais uma vez, humilhado, apanhou as trinta moedas de prata e atirou-as no altar.
Por aqui, o Messias não consegue livrar-se de imputações que lhe fazem e o Sinédrio de cá (que não é religioso) manda abrir sindicância para esclarecer investigações sobre faltas que teria cometido e tornadas públicas. Momento de crise aqui, como o foi há mais de 2.000 anos no outro lado do mapa.
O dinheiro não recebido no Templo, em Jerusalém, segundo algumas versões, foi usado para comprar o terreno do Campo do Oleiro, a fim de lá se instalar um cemitério para estrangeiros. A área passou depois a ser chamada de Campo de Sangue, conforme os “Atos dos Apóstolos”, por um desses motivos: pela procedência maldita do dinheiro utilizado para adquiri-lo, ou por ter ocorrido nele a morte de Judas, o que pode ser objeto de próximo comentário.
Não resta dúvida, contudo, de que – tanto para o atual Messias ou para o acoimado Judas – resta um longo caminho a percorrer, com indesviáveis aborrecimentos, seguidos passo a passo pela Imprensa; que não dá folga ou se atrasa, visando cumprir sua missão. Simultaneamente, todo o aparato político estará atento, porque interesses múltiplos existem, desde os mais importantes para a vida e os destinos nacionais, mas também os mais mesquinhos.
Enquanto isso acontece, a população suporta o distanciamento social, porque sabe que ele é fundamental para enfrentar o invisível e ardiloso novo coronavírus, personagem central dos noticiários de televisão, rádios e jornais, enquanto as autoridades da área de Saúde se esforçam para vencer o adversário perigosíssimo.
As vias públicas, urbanas ou as rodovias sentem a redução de veículos, o comércio e a indústria reclamam; a dispensa de empregados no trabalho cresce e inquieta. E o pior, há gente, muita gente, vivendo miseravelmente. Esperando milagre, talvez.
E daí?