Manoel HyginoO autor é membro da Academia Mineira de Letras e escreve para o Hoje em Dia

Vulgarização da violência

13/12/2016 às 19:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:04

No primeiro domingo de dezembro, Ferreira Gullar, poeta e teatrólogo, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), maranhense de nascimento, deixou o Rio de Janeiro, onde viveu seus últimos anos de vida, para ingressar na história. Vítima de pneumonia, ficara internado em hospital, mais de vinte dias, não pelo Sistema Único de Saúde (SUS) evidentemente, que só paga, se não me engano, oito – talvez menos. 

O corpo foi velado na Biblioteca Nacional, em seguida na ABL, e finalmente no mausoléu da Academia, no Cemitério São João Batista, como de praxe. Os médicos tentaram antes entubá-lo. Ele rejeitou. À mulher, a poeta Cláudia Animos, solicitou – ou determinou?: “Se você me ama, não deixe fazerem nada comigo. Me deixem ir em paz. Eu quero viver em paz”. 

Seu último livro – “Autobiografia poética e outros textos”, lançado em 2016, não repetiu sucessos anteriores, mas se integrou à sua rica bibliografia. Criador do movimento neoconcreto na poesia, mudou de ideia e ainda enveredou para a política, entrando no partido comunista e se opondo à ditadura militar. Exilou-se na Argentina, viveu clandestinamente, e na terra de Perón e Borges escreveu “Poema Sujo”, de 1976, considerado sua obra-prima. De regresso ao Brasil, trabalhou na imprensa carioca e, para a TV, escreveu o seriado “Carga Pesada” e a novela “Araponga”, sendo indicado para o Nobel, em 2002.

Agora, tudo é memória. Em Montes Claros, Gullar foi homenageado no “Poesia de quinta – projeto experimental”. A cidade ama e promove poesia e o Grupo Trama Poética, desta vez. Teve participação de Aroldo Pereira, Marli Fróes, Antônio Wagner, Marlene Bandeira, Anelito de Oliveira, Dóris Araújo, Renilson Durães, Marina Couto, Marcim da Gaita, Juliana Peres e Jorge Luiz, dentre outros que se aliaram no preito ao bardo maranhense, sem contar os músicos Ney Antunes e Cid Monteiro, em outro local e hora.

Em uma cidade com altos índices de criminalidade, do que reclamam todos os munícipes com justa razão, a voz de Gullar poderia parecer uma advertência. Na estrada que a liga a Juramento, seis assaltantes entraram num sítio, renderam e amarraram dois cidadãos, roubaram tudo o que podiam, desde serra e DVD, e caíram no mato. No mesmo dia, a Polícia Militar só encontrou rastros de dois facínoras que investiram contra um homem de 23 anos, na rua Major Santos, executando-o sumariamente.

O fato nos leva a Gullar, que confessou em artigo: “Não há dúvida de que homicídio puro e simples não deixa de me espantar. De fato, tirar deliberadamente a vida de alguém é coisa que não compreendo nem aceito. Mas sei, como todo mundo, se, dependendo de seu temperamento, pode uma pessoa perder a cabeça e matar um suposto inimigo”. 

Mas, este é um outro problema. “Há, porém, pessoas que têm o prazer de matar e, por isso, mesmo, fazem isso com certa frequência. Lembro-me de um jovem que foi preso logo depois de liquidar um desafeto. Quando o policial lhe disse que no próximo seria maior de idade, e se voltasse a matar alguém iria para cadeia, ele respondeu: “Pois é, não posso perder tempo”. 

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