Natália de Carvalho Teixeira*
O Nutricionismo, termo criado pelo pesquisador Gyorgy Scrinis, combina os conceitos de nutrição e reducionismo. Ele se refere à prática de reduzir os alimentos a seus nutrientes, como proteínas, carboidratos e vitaminas, ignorando o alimento em si e o contexto em que é consumido. Assim, os nutrientes tornam-se protagonistas das escolhas alimentares e dos conselhos nutricionais, o que leva a uma visão fragmentada e limitada da alimentação. Embora muitas pessoas não conheçam o termo, a prática do Nutricionismo é comum – como quando alguém afirma “vou cortar carboidratos” ou escolhe a “proteína” do almoço, focando em nutrientes isolados em vez de um contexto alimentar mais amplo.
O Nutricionismo tem sido incentivado pela ampla disseminação de informações em redes sociais e, muitas vezes, até por profissionais de saúde. Exemplo típico é a recomendação de refrigerantes e gelatinas zero açúcar para perda de peso, com foco apenas na ausência de calorias e açúcar, ignorando o alto grau de processamento e a presença de aditivos químicos. Essa abordagem reflete a preocupação exclusiva com nutrientes específicos, sem considerar outros aspectos importantes dos alimentos.
Em oposição ao nutricionismo, o Guia Alimentar para a População Brasileira, lançado em 2014 e celebrando 10 anos em 2024, promove uma visão holística da alimentação. Ele não foca em nutrientes isolados, mas orienta para a escolha de alimentos minimamente processados e naturais, valorizando o contexto social e cultural das refeições. O guia reforça que a alimentação é muito mais do que a soma de nutrientes – ela está integrada a aspectos culturais, sociais e ambientais.
Para isso, o Guia utiliza a Classificação NOVA dos alimentos, desenvolvida por Carlos Augusto Monteiro e sua equipe no Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens/USP), que categoriza os alimentos de acordo com o grau de processamento: in natura ou minimamente processados, ingredientes culinários processados, processados e ultraprocessados. Essa classificação surgiu a partir de evidências científicas de que o perfil nutricional isolado não é suficiente para compreender a relação entre alimentação e saúde. Assim, o guia recomenda priorizar alimentos in natura e minimamente processados e evitar os ultraprocessados, frequentemente ricos em açúcar, sódio e aditivos químicos, associados a efeitos negativos na saúde e um estilo de vida menos saudável.
Além das escolhas alimentares, o Guia destaca a importância das práticas alimentares e o prazer de comer. Ele incentiva o preparo de refeições em casa, a valorização do convívio social e o respeito aos horários das refeições, recomendando evitar comer em frente a telas e estabelecendo horários regulares. Essas práticas não só contribuem para o controle das porções e a qualidade das escolhas, como também promovem uma relação mais saudável e prazerosa com a comida. A preparação e o consumo de refeições em família, por exemplo, fortalecem vínculos e fomentam uma alimentação mais equilibrada.
Com essas diretrizes, o Guia Alimentar se afasta do Nutricionismo, tratando a alimentação como uma experiência completa, que envolve prazer, cultura e bem-estar. Ele promove uma mudança de perspectiva, incentivando escolhas que considerem a saúde de forma ampla e integrada, e propõe uma alimentação que vá além da preocupação com nutrientes, valorizando o alimento em sua totalidade e no seu contexto. Afinal, uma alimentação saudável não se resume a proteínas, carboidratos e gorduras. Ela também reflete o cuidado com o próprio corpo, a cultura, o meio ambiente e a sociedade.
*Nutricionista, Doutora em Ciência de Alimentos, coordenadora do curso de Nutrição da Faculdade Kennedy