Onde estão as mulheres pretas no poder público?

Andréia Pereira
Publicado em 28/03/2023 às 06:10.

O mês de março, considerado o mês das mulheres, está chegando ao fim. Mas as reivindicações em relação à equidade de gênero precisam continuar, sobretudo em relação às mulheres pretas no Brasil. Esse recorte é necessário, pois nós, mulheres pretas, ainda não alcançamos o que as mulheres brancas já conquistaram por meio do feminismo.

Para se ter uma ideia, o movimento feminista, que prevê uma sociedade sem hierarquia de gênero, se desenvolve no Brasil nas primeiras décadas do século XIX. Mas as mulheres que representavam essa luta não eram as pretas, que até 1888 ainda eram legalmente escravizadas. Ou seja, nem sempre o feminismo acolheu a luta das mulheres negras. E ainda tenho dúvidas se mulheres brancas e pretas estão, atualmente, na mesma batalha por direitos iguais. Nós ainda estamos lutando pelo simples direito de sermos consideradas mulheres. 

Assim como defende a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, o feminismo negro precisa estar em todas as pautas que dizem respeito a justiça social, saúde, educação, segurança, representatividade, sobretudo em espaços de poder e de decisão, entre tantos contextos em que as mulheres pretas são ignoradas. É preciso desnaturalizar “o lugar de submissão que foi construído para nós”, enfatiza Djamila em seu livro “Quem tem medo do feminismo negro?”. 

Eu sei quem tem medo do feminismo negro. São muitas as pessoas, mas vou destacar aqui principalmente os homens brancos que ocupam cargos de liderança ou gestão em empresas ou instituições públicas e privadas. E o pacto da branquitude machista e misógina faz questão de não oportunizar que mulheres negras desenvolvam habilidades de gestão e de comando. Imagino o incômodo que uma mulher preta causa quando chefia um homem branco ou tem o mesmo poder dele. Na verdade, eu não imagino, eu sei o que é viver isso. 

O racismo é consequência de um sistema escravista autorizado legalmente pelo Estado. Desse modo, nada mais justo que o poder público, então, propor e executar políticas afirmativas na própria estrutura de gestão e governança. Ter um Ministério da Igualdade Racial é uma grande conquista. Contudo, só vamos começar a combater, com eficiência, o racismo que as mulheres pretas enfrentam todos os dias quando elas ocuparem os espaços que ditam o que acontece e o que não acontece no Brasil. 

O governo sabe de tudo isso, tanto é que no Painel Estatístico de Pessoal (PEP) – plataforma do Ministério da Economia –, que concentra as informações atuais de pessoal do Poder Executivo Federal, não há filtros de pesquisa que possibilitem identificar detalhes sobre servidores negros. Não é possível saber, por exemplo, quais cargos as mulheres negras ocupam no serviço público tampouco se elas exercem funções de confiança ou cargos de direção. Recuso a acreditar que a tecnologia usada no PEP não permita tal filtro ou que não há meios de possibilitar a extração desses dados de forma acessível, ágil e transparente. 

Não tenho dúvidas de que o diagnóstico da presença de mulheres pretas no poder público, em especial nos postos de chefia, é assustador. Revelar esse quantitativo mostrará que nossa luta, apesar de todo legado de nossos e nossas ancestrais, precisa se fortalecer ainda mais. Para além das ações já realizadas, o poder público tem o dever de reorganizar toda a estrutura de pessoal de todas as suas instituições. No combate ao racismo, as mulheres pretas sabem “arrumar” as casas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Com a caneta na mão, nós transformaremos o mundo. 

Andreia Pereira é doutora em Literatura (UnB), servidora pública federal, jornalista, professora, pesquisadora e palestrante.

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