A Chacina de Unaí

22/11/2018 às 18:57.
Atualizado em 28/10/2021 às 01:57

Antônio Álvares da Silva*

O TRF-1 de Brasília acaba de julgar recurso do rumoroso caso da morte dos três auditores-ficais e do motorista. O crime de extrema perversidade e covardia matou servidores públicos no cumprimento de suas funções. O crime perpetrado em zona rural, premeditado e traiçoeiramente, não lhes foi dada nenhuma chance de defesa.

O Estado perdeu três servidores exemplares e suas famílias viram o pai de seus filhos perder a vida só porque exercia seu dever.

Ao se publicar o resultado, uma esposa das vítimas afirmou que se sentia derrotada, depois de entrar confiante no Tribunal.

A indignação tem sentido pois o processo rola desde 2004, mas a visão do problema tem que ser geral e não pode concentrar-se apenas num órgão judicial, pois afeta toda a estrutura do Judiciário e, mais do que isto, põe em xeque a própria reputação do Estado brasileiro em plano internacional, já que todos os modernos tratados de direitos humanos garantem a quem vai ao Judiciário prestação rápida, efetiva e em tempo razoável. Para que se cheque a tal fim ordenam também que se ofereçam procedimentos processuais simples que possibilitem a realização da Justiça rápida e segura.

O júri popular brasileiro merece urgente reforma, pois foi deturpado pela jurisprudência dos tribunais. O art.5º, XXXVIII da Constituição garante o júri popular, para julgamento de crimes dolosos contra a vida, com forma que lhe der a lei, respeitadas as seguintes características: plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos vereditos.

O júri popular é uma instituição altamente democrática, cujas raízes se fincam no Direito Romano, há mais de 20 séculos: o pretor, preparava o processo que, depois de instruído, era entregue a um cidadão romano para decidi-lo, pois ao povo é que compete em última instância o julgamento de um de seus membros.

Se se garante a “soberania” dos vereditos”, isto é, se o povo é livre em seu convencimento, não cabe aqui a intervenção do Judiciário, porque ela deturpa e fere a soberania do julgamento, impondo regras quando a Constituição garante plena autonomia dos jurados. A lei a que a Constituição se refere se refere para regular o júri não pode diminuir ou restringir nenhum dos quatro itens previstos no art.5º, XXXVIII, a não ser para ampliá-los.

Portanto, uma lei com um simples artigo poderia dizer que as decisões do tribunal do júri são irrecorríveis e suas decisões se executarão imediatamente. Aliás, é hoje a orientação jurisprudencial sobre os julgamentos em segundo grau que são definitivos quando à matéria de fato.

Se for alegada violação do direito constitucional de recorrer, então o legislador constitucional poderá excluir o tribunal do júri, o que seria uma solução extremada, mas possível.

O mais que se poderia admitir é um recurso no prazo de três dias ao próprio juiz do júri quanto a erro formais. Porém o mérito da decisão não seria tocado. Não se trataria de um recurso propriamente dito, mas de uma correção formal.

Com esta simples medida, modificaríamos o tribunal do júri, adaptando-o às exigências do mundo contemporâneo que determina, para toda controvérsia forense julgamento rápido, informal e eficiente.

Se assim agíssemos, não veríamos o jurisdicionado chorar perante os tribunais, para pedir a Justiça que às vezes demora quase o tempo da útil do autor da ação.

*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG
 

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por