Flávio Guerra*
Recentemente, participei de uma Missão Técnica da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT Brasil) na Europa, onde explorei empreendimentos inovadores na Holanda, Áustria e Suíça. Essas visitas foram fonte de inspiração, destacando práticas e soluções que podem ser adaptadas e implementadas no mercado de loteamentos brasileiro. Compartilho aqui as potenciais aplicações no Brasil, especialmente nos segmentos de condomínios e imóveis de luxo.
A Holanda é um exemplo impressionante de como a integração de políticas ambientais no planejamento urbano pode criar cidades sustentáveis e altamente habitáveis. Em Amsterdã, a combinação de ciclovias extensas, espaços verdes e uma infraestrutura de transporte público eficiente promove a mobilidade sustentável, reduzindo emissões de gases de efeito estufa. Com 800 mil bicicletas na cidade de 930 mil habitantes, Amsterdã tem um plano para se tornar neutra em carbono até 2050.
O bairro Zuidas, na parte sul de Amsterdã, é um modelo de desenvolvimento de uso misto. Combina espaços comerciais, residenciais e de lazer em uma área bem planejada e integrada, atraindo investidores globais e residentes em busca de uma vida moderna e conveniente. Este modelo pode ser altamente relevante para o Brasil. Adotar ciclovias e promover o transporte público eficiente pode não só melhorar a qualidade de vida nos novos loteamentos, mas também atrair investidores preocupados com a sustentabilidade.
Um destaque adicional é a expansão e modernização da Estação Central de Utrecht, que originalmente foi projetada para atender 35 milhões de usuários por ano, mas agora atende 85 milhões. A estação foi ampliada em 35% e ganhou uma nova entrada sul, melhorando o fluxo de pedestres e criando mais espaço para comércio, restaurantes e outras comodidades.
Viena, na Áustria, tem uma longa história de fornecimento de moradias públicas de alta qualidade, com quase 60% da população vivendo em moradias subsidiadas. Projetos como a Donau City exemplificam o uso inteligente de tecnologias sustentáveis, incluindo sistemas de aquecimento e resfriamento eficientes, telhados verdes e painéis solares. Com quase 50% da cidade formada por áreas verdes e água, Viena é um exemplo de como integrar natureza e urbanização de forma harmoniosa.
Um caso notável de revitalização é o Projeto Gasômetro, que transformou quatro grandes tanques de armazenamento de gás em um complexo de uso misto, incluindo 844 apartamentos, escritórios, lojas e espaços de entretenimento, além de preservar a estrutura histórica. Essa é uma ideia que poderia ser amplamente aplicada no Brasil para preservar áreas históricas de forma economicamente viável, evitando as ruínas que temos colecionado. Não precisamos deixar o patrimônio brasileiro perecer.
Zurique, na Suíça, destaca-se pelo compromisso com a eficiência energética, exemplificado pelo projeto Hunziker Areal, que se baseia no conceito “sociedade de 2 mil watts”, ou seja, que visa limitar o consumo médio de energia por pessoa a 2 mil watts por dia. Este bairro planejado não só proporciona habitação, mas também espaços comerciais e comunitários, tudo com um foco na redução da pegada de carbono. O projeto Europaallee, com uma proposta parecida à Estação de Utrecht, revitalizou a área ao redor da principal estação ferroviária da cidade, criando um espaço de uso misto que integra residências, escritórios e áreas de lazer.
Embora as inovações observadas na Europa ofereçam um modelo inspirador, a implementação no Brasil requer adaptação às condições locais. O país ainda enfrenta entraves burocráticos, legislação urbanística defasada e uma falta de incentivos adequados para práticas sustentáveis. Além disso, há uma menor cultura de planejamento urbano integrado, a fragmentação das iniciativas entre governo, setor privado e sociedade civil contribuem para o atraso em relação aos projetos europeus, que são marcados pela colaboração intersetorial e pelo planejamento a longo prazo.
As soluções estão na mesa, precisamos usá-las. A incorporação de elementos de uso misto em novos loteamentos pode ser uma excelente maneira de criar comunidades vibrantes e economicamente diversas no Brasil. A implementação de tecnologias verdes pode posicionar esses empreendimentos como líderes em sustentabilidade, um diferencial cada vez mais valorizado pelos consumidores. Nesse ponto, acredito que a criação de parcerias público-privadas pode ser uma estratégia eficaz para viabilizar projetos de grande escala com práticas sustentáveis, que, espero, venham a se multiplicar pelo país.
* CEO da Construir Loteamentos, especialista em Gestão de Negócios Imobiliários e articulador do setor de desenvolvimento urbano