Rotatividade de professores compromete aprendizagem

Publicado em 26/08/2024 às 06:00.

Ângela Mathylde Soares*

O acesso à educação é um dos direitos fundamentais da população. Contudo, a questão não se limita a somente oferecer escolas, pois o processo de aprendizagem requer qualidade. Geralmente, conforme as últimas pesquisas, o ensino ainda não apresenta uma qualidade adequada no Brasil, sendo que até mesmo os professores sofrem com a ausência de planejamento e políticas públicas. Um sério problema ocorre nas escolas de Minas Gerais, por exemplo: o número de professores temporários.

Os dados mostram que os educadores sem concurso já são mais que os efetivos, ou seja, aprovados e conquistando uma estabilidade na carreira no estado. Um levantamento da pesquisa Todos pela Educação apontou que apenas 19% do corpo docente mineiro é efetivo, enquanto a Secretaria do Estado de Educação afirma que a porcentagem é 47%. Em compensação, o crescimento estimado de temporários, entre 2013 e 2023, foi de 540%, em meio a um corte de 69,3 mil efetivos, queda de 77%.

Vale entender que professor temporário é aquele contratado por um determinado período de tempo. Geralmente, o prazo é de um ano, prorrogável por, no máximo, dois, sendo uma alternativa para a ausência de um docente efetivo. A carga horária é menor ou igual ao de um professor efetivo, porém são selecionados em um processo simplificado que, não necessariamente, avalia competências e habilidades.

O resultado do estudo ainda revelou que 43,6% dos profissionais temporários estão no cargo há pelo menos 11 anos, e, apesar do que se acredita, nem todos estão no início de carreira. O levantamento também destacou que até 32% deles têm, em média, 34 anos, ou seja, são mais experientes.

A situação também acentua a falta de preparo do governo para realização de concursos públicos. Quando não existe uma política pública para essa situação, a verdade é que a precarização é inevitável, em todos os aspectos, inclusive na qualidade da educação.

Por outro lado, é essencial alertar que a precarização profissional já existe há décadas e se torna ainda maior. Ser professor no Brasil sempre foi desafiador. A carreira, apesar de essencial para a formação, lamentavelmente, é extremamente desvalorizada. O tempo dedicado é maior que o estabelecido pela legislação, devido ao acúmulo de tarefas; o salário é baixo, se comparado a todo o esforço para a formação dos alunos, principalmente considerando as salas de aula abarrotadas e, até mesmo, a ausência de materiais básicos para as aulas.

A situação é agravada também pelo fato de o governo sequer exigir que os temporários sejam formados para dar aula, sendo necessária apenas uma autorização da secretaria estadual. É claro que um processo seletivo mais prático, por si só, não quer dizer, necessariamente, professores com conhecimento e preparo suficiente para ensinar e, sim, que os prazos contratuais não permitem uma continuidade no trabalho, pelo tempo curto, assim como também a probabilidade de abandonarem o cargo, caso consigam um emprego com maior segurança, principalmente financeira.

A verdade é que os alunos acabam convivendo com diversos professores ao longo do ano. A rotatividade compromete a criação de vínculos, essenciais no processo de aprendizagem, porque é através deles que a confiança entre professor-estudante se estabelece, incrementando os resultados.

O conteúdo também acaba atrasando, ou sequer é apresentado conforme o plano de aula inicial, uma vez que cada pessoa possui seu método de ensinar e, ao ocupar um cargo, deve se inteirar de todo o contexto, elaborar um planejamento e aplicá-lo na prática, sendo que, muitas vezes, tem de retomar aquilo que já havia sido visto. Um desempenho abaixo do esperado em disciplinas, como Língua Portuguesa e Matemática, está diretamente ligado à possibilidade de os alunos terem um professor temporário.

Educar requer seriedade e precisa ser tratado dessa maneira. Apenas um sistema escolar sério apresenta a capacidade de formar alunos e mudar suas vidas, dando-os a oportunidade de serem profissionais de excelência, buscarem ofertas de emprego, e claro, de melhorar a realidade brasileira. A verdade é que ainda existe um longo caminho pela frente e deve começar pela valorização dos professores.

A situação é tão polêmica e complexa que o tema faz parte da programação do Brain Connection, o maior congresso de educação brasileiro. A 9ª edição será realizada em  Recife (PE), no fim de outubro, apresentando mais de 50 especialistas brasileiros e europeus em palestras e debates, envolvendo a neurociência e a aprendizagem. As inscrições já estão abertas no site www.brainconnection.com.br.

* Neurocientista e psicopedagoga, responsável pela organização do maior congresso brasileiro de educação, Brain Connection, de 29 de outubro a 1º de novembro 

© Copyright 2025Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por