Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

Fica! Vai ter café.

Publicado em 11/11/2025 às 06:00.

Como você descreveria o café para alguém que nunca o tivesse visto, sentido o gosto ou sequer entendesse por que ele faz parte de nossas vidas? Falaria da cor? Do sabor? Da torra: escura, média ou clara? Dos modos de preparo? O coado de todo dia, a sofisticada Prensa Francesa, o alquímico Sifão globinho, a metamórfica Moka Italiana ou o prático instantâneo? Eu, se tivesse que explicar, começaria dizendo que o café é, para mim, uma amizade antiga. Boa, estável, diária. Essa relação vem de longe.

Na infância, eu não tomava café de verdade: bebia a água adoçada que não era usada no coador, e que recebia o restinho que gotejava depois que a garrafa estava cheia. Aquela água tingida já era suficiente para as crianças. Mais tarde, aprendi a bebê-lo adoçado.

Foi só quando fui morar na Inglaterra que descobri, de fato, o café brasileiro: uma torra média, pontuada acima dos 84 pontos, importada pelo King’s College, onde eu estudava e trabalhava. No início, estranhei aquela cor clara, tão diferente da água de carvão a que estava acostumado. Parecia fraco, sem vida, sem gosto, sem vontade de viver. Até cheguei a comprar um Nescafé, mas fui salvo por uma amiga de paladar apurado que me ensinou: café é torra, bons grãos e aroma. Por isso não precisa ser preto como petróleo e nem de açúcar.

Até hoje, sigo fiel ao café; bebo com gosto. Ele pauta minha rotina e até o humor do ambiente. Quando estou na sala dos professores e o café ainda não chegou, um silêncio pegajoso toma conta do ar. Mas basta o pretinho dar o ar da graça para os sorrisos se abrirem e as vozes brotarem como relva depois de um longo inverno. Para nós, professores, o café é o que o espinafre sempre foi para Popeye.

E não é só no trabalho. Tenho minhas cafeterias favoritas: o copão generoso da Jetiboca (no Mercado Novo), a fatia de bolo de fubá que acompanha o Coado do Café Raízes (em Santa Tereza), os métodos sofisticados da Oop Café ou um bate papo aprazível com a atendente do Café Santiago, sempre disposta a contar a história da fazenda que dá nome ao lugar antes de servir um Topázio ou um Paraíso, este, para mim, o mais saboroso. Ou o aconchego do Dolce Caffe, no Prado, em que me sinto tão à vontade quanto na copa da minha casa.

Não sei qual é a sua relação com o café. Mas se me perguntassem num bate-bola com Marília Gabriela, responderia sem titubear:

Uma bebida: café.
Uma refeição: café da manhã.
Um cheiro: café passado na hora.
Um perfume: Coffee, do Boticário.
Uma viagem: rota do café em Minas.
Um animal: jacu. (Você já deve imaginar por quê.)

Não importa o dia, a hora, o cansaço ou o calor: café, para mim, tem gosto de amizade e o conforto de um abraço. A desculpa perfeita para uma boa prosa, seja ela de dois dedinhos ou de várias páginas. Porque, no fundo, café não é só bebida: é o tempo que a gente bebe junto. O sabor importa tanto quanto o lugar em que a gente se assenta para desfrutá-lo, pois café é sempre um ritual e escolher o lugar certo é parte da ritualística.

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