Seu João XavierSeu João Xavier é doutor em Linguagens, Mestre em Linguística, Sociólogo e Professor do Cefet-MG. Escritor que promove pensamento crítico e práticas voltadas à justiça social

Minha primeira vez

Publicado em 30/09/2025 às 06:00.

As pessoas dizem que da primeira vez a gente nunca se esquece. Não descarto essa possibilidade, embora nem sempre concorde. Às vezes, quando uma experiência é ruim ou traumática, jogamos tudo isso recalcadamente para os porões da mente, como um papel amassado que não queremos mais ver. Por outro lado, quando aquilo que vivemos é fruto de uma longa espera, de um sonho regado com águas de esperança e desejo, conseguimos lembrar de cada segundo.

Semana passada, fui ao posto de saúde do meu bairro. Talvez eu tenha sido o último paciente da Dra. Érica naquele dia. Apesar do acolhimento e da perícia no atendimento, notei um olhar cansado, como uma vela pela metade. Como já queria conversar com vocês sobre “primeiras vezes”, aproveitei e perguntei como ela se sentiu ao atender seu primeiro paciente como médica. A resposta veio morna, quase automática. Mas ganhei espaço para continuar xeretando e ampliei a pergunta: “E o seu primeiro dia na faculdade de medicina”?

Plim! Os olhos dela se acenderam. Contou, animada, que lembrava de cada detalhe: o que vestia, como se sentia, o nervosismo, a empolgação. Em seguida, com os olhos marejados, relembrou a expectativa de atender o primeiro paciente acompanhada de seu professor. Por alguns instantes, o cansaço sumiu.

Gosto de me lembrar das minhas inúmeras primeiras vezes: a primeira vez que entrei num avião. A primeira vez que entendi uma música em inglês sem precisar da letra.

A primeira vez que pisei na UFMG. A primeira vez que chorei de felicidade. A primeira vez que ouvi que a primeira vez é uma pérola que a gente guarda no coração.

Você se lembra da primeira vez que fez uma viagem sozinho? Ou conheceu alguém que se tornou especial? A primeira vez que acreditou em si mesmo ou se sentiu capaz de conquistar algo importante?

No doutorado em Neurociência, aprendi algo que me marcou: o sono nos ajuda a lembrar e, com a mesma delicadeza, também a esquecer. Por isso, dormir bem é essencial. Descobri que tão importante quanto lembrar é saber deixar ir, esquecer o que não nos serve, o que não faz bem, ou até mesmo alguém, com a leveza de um sonho do qual acordamos ou com o susto de um pesadelo que nos arremessa de volta à realidade.

Conversar com a Dra. Érica sobre sua primeira vez como médica me fez pensar em como nossas “primeiras vezes” são faróis no tempo. São elas que iluminam o caminho quando o presente parece escuro demais. Lembram-nos dos nossos valores, dos sonhos que nos movem e da importância de, vez ou outra, parar, dormir, descansar, sonhar e esquecer. E, principalmente, lembrar de onde viemos. Sejam esses pontos de partida lugares emocionais, relacionamentos, empregos, caminhos de estudo ou fases da vida. Porque toda vez que nos recordamos disso tudo, nós nos aproximamos da pessoa que queremos ser: mais madura, mais verdadeira, mais inteira, mais leve, mais feliz.

A primeira vez é um começo e um lembrete: ainda há muito o que viver. Que tal se perguntar: qual foi a sua última primeira vez?

© Copyright 2025Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por