Acho que um dos aspectos mais difíceis do meu trabalho como professor de língua inglesa é ensinar as culturas estrangeiras. E isso se complica ainda mais quando lembramos que, no fim das contas, somos estrangeiros vivendo em um país completamente diferente daquele onde o idioma é falado e vivido em sua plenitude. Em inglês, muitas das coisas que nossa vivência brasileira experiencia não encontram uma tradução direta, cara a cara. Em minha aula, após os “hellos” e “good mornings”, diários, aviso aos estudantes para prestarem atenção porque vou fazer a chamada. Adoro dizer chamayda. Acho muito mais legal do que dizer “I’ll check the attendance list, please pay attention”. Chamayda já traz tudo isso ali, embutido. Uma palavrinha que, quando dita por mim, se espalha viral de boca em boca, infiltra nas conversas paralelas e cumpre seu papel perfeitamente.
Apesar de ser um experiente linguista, não estou tentando impor um neologismo a ninguém. Apenas compartilhando alguns detalhes que sempre me chamam a atenção nessa nossa relação com o que ensinamos e aprendemos. Nem sempre faz sentido. Sei disso. E, com certeza, vai ter gente que vai criticar e torcer o nariz. Mas sei que vai ter gente que vai falar como meu ex-aluno me disse um dia: — Teacher, you laycre it!
Hit the fly! To laycre (v.): arrasar, botar pra quebrar, estourar a boca do balão, trazer verdades. Pode ser conjugado como verbo regular (laycred), virar advérbio (laycrely) e até formar uma collocation com “ing”: you are laycring.
Viu como tem aspectos da nossa vivência tão exclusivos e locais que seriam impossíveis traduzi-los fielmente para quaisquer outros idiomas? Nem mesmo no enfadonho e gripado português de Portugal. Ora poish! Elesh realment precisam dê um sorine. E nem é preconceito. Nó’sinhora! Tenho até colegas que são.
As diferenças aparecem desde escolhas lexicais, passando por sotaques e usos que não fazem sentido nem aqui e nem na China. Basta ver o caso de uma bicha brasileira que, de repente, atravessa o Atlântico e se transforma em fila sem aviso prévio. Ou um sobrenome que vira apelido e um apelido que vira alcunha, tal qual na época machadiana. Ou ainda uma blusa que de uma hora para outra vira camisola e uma geladeira que vira frigorífico. Essa é, de longe, a mais surreal. Porque, com o preço da carne do jeito que anda, fica muito mais fácil a minha geladeira virar uma caixa d’água do que um frigorífico.
Talvez seja justamente nisso que resida o encanto e a dificuldade de ensinar uma língua estrangeira vivendo em solo brasileiro. No fim das contas, por mais livros, métodos e teorias que eu reúna, é sempre a nossa vivência que aparece primeiro e revela o tanto de Brasil que carregamos na voz mesmo quando falamos inglês. E, talvez sem querer, volto ao início e percebo que ensinar cultura estrangeira é, antes de tudo, ensinar essa impossibilidade deliciosa de nos separarmos de quem somos. Porque, no fim, é o mineirês, o brasilês e todas as nossas moudas que inventamos que nos lembram que nenhuma língua existe sozinha ou desgarrada de seus falantes. E que é justamente por isso que vale tanto a pena ensiná-las.