Eu geralmente torço o nariz quando alguém compara obras literárias que foram adaptadas para o cinema. Acho que a gente precisa sempre respeitar e entender as diferenças entre gêneros artísticos de natureza, recursos e contextos distintos. Mas, quando o assunto é remake de novela ou filme, essa minha regra pessoal não se aplica necessariamente.
Começo lembrando da minha tia Cleide, especialista em audiovisual e cultura pop. Numa conversa, ela listou todos os motivos pelos quais não concordava com a ideia de um remake de Vale Tudo. Não vou repetir tudo aqui, até porque não faria jus aos argumentos dela, mas algo que me marcou foi o que ela disse: “Não se pode mexer com uma vilã como Odete Roitman. O que ela fez e mobilizou na história deste país foi muito forte. Eu mesma enviei uma carta dando o meu palpite sobre quem era o assassino... Não acho que vai dar muito certo essa história.”
Bom, em partes, ela estava certa. Vários tsunamis de críticas quebraram nas margens da novela, principalmente na primeira fase.
Ninguém escapou dos caldos: Odete, Heleninha, Raquel, Maria de Fátima. Os abalos sísmicos entre os atores nos bastidores, uma loucura. Aos poucos, a maré se acalmou e o público foi aceitando um pouco melhor esses novatos que ressuscitavam grandes personagens do século passado. Contudo, o final realmente deixou muito a desejar, então propus o meu próprio desfecho para essa novela e estou pronto para virar a página e assistir ao que vem pela frente.
Assumiria a história ali, logo após Odete Roitman embarcar no helicóptero, e a partir desse ponto reconstruiria a cena com outro ritmo e outra lógica dramática — mais elegante, mais simbólica, mais fiel à grandiosidade das vilãs que moldaram a novela.
(Mansão de Grazi Massafera) – a próxima vilã da novela das 9
*Descrição:* A câmera se aproxima da sacada de uma mansão luxuosa. O sol brilha num dia lindo e ilumina o rosto de Grazi Massafera, linda, elegante, recostada em uma pilastra. Ela observa o horizonte com expressão típica das vilãs poderosas...
Som ao fundo: o barulho de um helicóptero se aproximando.
Grazi olha com desdém e curiosidade.
A câmera corta para o céu — o helicóptero passa perto da casa e segue adiante.
Descrição: Ela suspira, ajeita o cabelo e continua olhando, como quem já se acostumou. Ali em seu quintal o seu próprio helicóptero à sua disposição.
— Interior do helicóptero—
Odete Roitman segura um telefone prateado. A expressão é fria, calculista. Ela disca um número com calma e leva o aparelho ao ouvido.
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Um apartamento sofisticado, em Paris
Descrição: Passos firmes ecoam sobre o piso de mármore. Um salto elegante se aproxima de uma mesa onde um telefone vibra. Na tela, o nome pisca: “Peste”.
A mão feminina pega o aparelho.
Voz feminina (com ironia e classe): “Meu bem, não é de bom tom telefonar para uma pessoa sem antes enviar uma mensagem para saber se ela está disponível.”
Voz de Odete (do outro lado, firme): “Oi pra você também, Madrinha.”
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Descrição: A câmera gira e revela Bia Falcão (Fernanda Montenegro), vestida com sobriedade e joias discretas. Ela revira os olhos com impaciência.
Bia Falcão: “Não era para você estar morta, Peste?”
Odete Roitman: “Preciso de um favor. Você é a única capaz de me ajudar. Afinal de contas, se Bia Falcão está morta e em paz, é porque Odete Roitman ajudou.”
Descrição: Um leve sorriso se forma no canto dos lábios de Bia. Ela encosta o telefone sobre o ombro, olha pela janela de seu apartamento parisiense e sussurra:
Bia Falcão (baixinho): “Será que não existe paz, nem após a morte...”
Neste final alternativo, reconciliaria o passado icônico de Vale Tudo com uma leitura mais contemporânea do poder e da representação feminina. Minha decisão de retomar a história logo após o embarque de Odete Roitman no helicóptero parte do desejo de restaurar a coerência simbólica da personagem (a mulher que não desaparece, mas se reinventa). A inclusão de Grazi Massafera e de Bia Falcão funcionaria como ponte entre gerações: uma traduz o presente estetizado e midiático da televisão, enquanto a outra evoca a sofisticação e a crueldade clássicas do folhetim. Ao fazê-las coexistir, proporia um novo eixo de continuidade entre o passado e o futuro, onde o jogo do poder não termina, apenas muda de forma. A reescrita, portanto, não busca corrigir o original, mas expandi-lo, transformando o destino das vilãs em alegoria da persistência da inteligência, da ambiguidade moral e da força das mulheres na ficção e na vida real. Mas não sou dramaturgo, só um espectador muito expectador de boas histórias e cheio de Opinões Intrusivas.