Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

A manifestação da inveja

Publicado em 04/01/2024 às 06:00.

Inveja é um sentimento de tristeza, angústia ou até mesmo raiva que uma pessoa sente perante a felicidade, prosperidade ou sucesso de outra. Não significa querer o que o outro tem, isso é  cobiça - que não necessariamente contém inveja. Os sentimentos são confusos e pode dificultar ainda mais a percepção quando isso tudo se mistura em laços de amor. Como entender que algo tão hostil possa vir de um ambiente tão ideologicamente sólido como um contexto familiar, por exemplo?

O tabu que permeia a inveja faz com que tenhamos grande dificuldade em detectá-la. A questão piora quando imaginamos que isso possa vir de pessoas próximas que tanto amamos e pelas quais sentimos estima, como nossos pais. Mas não deveríamos nos sentir tão surpreendidos, pois a proximidade facilita a comparação, que é combustível para inveja.


Isso é bastante comum entre irmãos, quando um se torna bem sucedido enquanto o outro não consegue sair do lugar. Outra situação recorrente é entre mãe e filha, quando uma sente inveja da vitalidade e juventude da outra e numa atitude inconsciente e embalada de amor começa a criticar e reprovar o comportamento, a roupa e até as escolhas afetivas da filha - que se sente muito decepcionada, pois, ao invés da mãe vibrar com seu sucesso, acaba por hostilizá-lo.

Entre pai e filho também ocorre algo parecido, porém no campo profissional. Nesse caso, a manifestação da inveja se dá por meio do controle, como num ato inconsciente de não perder o poder. É como se o filho não pudesse ultrapassar uma hierarquia, e com isso precisasse obedecer aos comandos, imposições, implicâncias e exigências.

No casamento isso também ocorre: marido e mulher entram numa espécie de disputa, onde chega ao ponto de um torcer contra o sucesso do outro, como se fosse um campeonato em que, para um ganhar, o outro tivesse que perder. Entre amigos às vezes também acontece, quando um prospera e o outro, não.  

É como se em nossa cabeça tivesse um termômetro permanentemente ligado medindo o que está acima e abaixo, e quando nos sentimos rebaixados, o dispositivo apita, nos mandando um comando reativo que se manifesta basicamente de algumas maneiras, como:

- Crítica: de uma forma prepotente, o crítico coloca o criticado como um ser inferior, desqualificando suas ações. Essa suposta superioridade muitas é pura manifestação de inveja, caso contrário ele não se sentiria tão incomodado.  

- Ingratidão: É comum pensar que quem recebe favores materiais e/ ou emocionais se sente grato por quem o fez. Nem sempre! Há pessoas que quando estão na condição de recebedoras desenvolvem uma raiva do doador. Essa raiva deriva do fato de se sentirem por baixo, elas aceitam a ajuda por falta de opção, mas no fundo gostariam de estar no lugar de quem está ajudando. Com isso, acabam desenvolvendo sentimentos opostos à gratidão. Quanto mais ele recebe, mais humilhado se sente e mais ressentido fica. No final, acaba arranjando algum pretexto para se afastar, acusando o outro de algo que ele não fez no intuito de tentar diminuir a sua imagem. A ingratidão é grande demonstração de inveja. 

- Boicote e agressividade gratuita: é uma hostilidade dirigida à quem nada fez além de existir. Pode acorrer de forma declarada ou velada através de fofoca, difamação e mentiras.

Convém lembrar que a inveja deriva da admiração. Por isso, muitas vezes fica tão difícil mapeá-la. Nem sempre aquele que é alvo consegue perceber, assim como quem a sente admite algo tão reprovável em seu próprio julgamento. Acabam definindo apenas como amor a manifestação de outras questões reprimidas. Volto a dizer: inveja e amor co-existem - é possível senti-los ao mesmo tempo. 
 

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por