Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Autoperdão, nosso maior desafio

Publicado em 05/06/2025 às 06:00.

Quando nos sentimos traídos por alguém, seja na amizade, sociedade, em família ou no casamento, temos que lidar com sentimentos ruins de maneira muito intensa. Sentimos dor, frustração, rejeição e muita raiva. Nem sempre conseguimos perdoar quem nos traiu; sentimos revolta e na maioria das vezes a convivência torna-se inviável. Precisamos nos reinventar a partir dos acontecimentos e nesse momento surgem grandes questões em torno do perdão. 

Conseguimos perdoar quem nos apunhalou? O que de fato significa perdoar?

Definitivamente perdoar não é esquecer, e sim conseguir lembrar do ocorrido sem que aquilo nos cause emoções negativas. É limpar o coração de qualquer ressentimento e/ou desejo de vingança.

Conseguir isso não é tarefa fácil, requer uma dose extra de grandeza e empenho. A traição nos traz muitos prejuízos, portanto, em princípio, parece injusto “deixar para lá” e viver como se nada tivesse acontecido - afinal, além da dor, ficamos com marcas, e ninguém é o mesmo após um golpe. Saímos mais experientes, mas também mais desiludidos e inseguros em relação ao futuro. Não há como negar que uma puxada de tapete interfere até na autoestima de uma pessoa. 

A dor da traição tem duas grandes vertentes: a raiva de quem nos traiu - afinal, existe um causador para nossa dor; e a raiva de nós mesmos. Irei me ater à segunda, pois está intrinsecamente ligada à primeira. 

A dificuldade em nos perdoar tem algumas causas:

Negligência: poucas são as vezes que realmente somos pegos de surpresa em relação à traição. De uma maneira geral, a situação vai, ao longo do tempo, apresentando sinais, às vezes pequenos e outra hora grandes. E nós, os envolvidos, desejamos que aquilo se resolva sem que seja preciso alguma atitude mais intensa. Com isso, vamos contemporizando e aceitando comportamentos que nos maltratam. Fazemos vista grossa para não enxergarmos o que está nítido, negligenciamos  sinais óbvios, relevamos coisas que vão contra nossos princípios, ferimos valores e abrimos mão de nós mesmos para nos aproximarmos do outro. Todas essas concessões pesam muito quando a relação resulta numa traição - sabemos internamente que, antes do outro, fomos nós que nos traímos primeiro. 

Idealização de si mesmo: a maioria de nós tem um modelo interno onde deveríamos ser pessoas perfeitas e, quando alguém nos trai, esse modelo fica questionável. O choque da vida real com nossa autoimagem fica desalinhado,  gerando uma decepção a nós mesmos. 

Sensação interna de fracasso: nosso senso crítico costuma ser extremamente rígido, e isso  faz de nós carrascos que julgam com mais severidade a nós mesmos do que qualquer outra pessoa. A voz interna não silencia, e revisita o passado se autopunindo de condutas banais. Uma tortura. 

Sensação de vergonha: saber que estamos sendo julgados e mal falados em sociedade nos gera grande mal estar e desconforto. Nos sentimos, de certa forma, obrigados a dar satisfação à sociedade na qual estamos inseridos. Não deveria, mas isso nos deixa bastante envergonhados. 

Sentimento de culpa: nos sentimos culpados por tudo, até por aquilo sobre o que não temos nenhum controle. Um martírio que funciona como uma espécie de penitência: “eu mereço sofrer”. A culpa é uma autopunição que dificulta muito a superação. 

Aos que almejam perdoar com mais suavidade é preciso ter em mente que a raiva que sentimos do outro, numa análise mais profunda, é a raiva que sentimos de nós mesmos. Quanto maior nossa incapacidade de nos perdoar, maior a dificuldade em perdoar o outro também. 

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