Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Cachorro bom, cachorro mau

Publicado em 24/02/2022 às 06:00.

Certa vez perguntaram para um mestre zen como ele administrava seus conflitos, e ele respondeu da seguinte forma: “dentro de mim há dois cães. Um deles é manso e dócil e o outro é mau e cruel. Os dois estão sempre brigando”. Então indagaram: “E qual vence essa briga”? E ele disse: “Aquele que eu alimento mais”.

Nossas emoções iniciam em nosso pensamento e terminam em nossas ações, por vezes desastrosas. Dessa forma, precisamos conferir nosso interior e saber o que estamos alimentando dentro de nós. Isso irá determinar a qualidade da nossa saúde mental.

Há pessoas cujo pensamentos são seus grandes inimigos, mas, mesmo assim, se apegam a eles e não os deixam ir embora. Apaixonam-se pelo problema e estagnam na dor de uma forma inseparável. Pode parecer estranho, pois tendemos a acreditar que o nosso desejo maior é nos livrarmos daquilo que nos causa dor.

Mas, na prática, não é isso que fazemos. Por exemplo: se alguém nos contraria, costumamos remoer aquilo por dias numa única linha de pensamento: “Aquela pessoa não deveria ter feito isso”, ou “Quanta maldade, que absurdo”. Raramente nosso pensamento vai ao encontro do entendimento do erro do outro. Com isso, alimentamos o “cachorro mau” dentro de nós.

Mas muitos acreditam que seus próprios pensamentos não estão em seu controle e por isso não há nada a se fazer. De fato, o aparecimento deles é involuntário, “do nada” surge um pensamento e não temos controle sobre isso. Mas temos o controle de não alimentá-lo.

Nossos pensamentos são como ondas que podem nos conectar a algo bom ou ruim. Cabe a nós mudarmos a sintonia dele. Uma boa comparação é um rádio: se a estação conectada não estiver tocando uma música agradável, temos sempre a opção mudar. Ou você fica ouvindo uma música desagradável, torturante para seus ouvidos, sendo que você tem a opção de mudar de estação

Nossos pensamentos e emoções negativas, como preocupação, raiva, ansiedade, funcionam dentro de nós como uma fogueira: se você estaciona neles, está colocando lenha e o fogo só aumentará. Se você faz esforço para mudar, está jogando água e o fogo diminuirá. A mente funciona como o corpo; quanto mais treinada, mais forte.

Alimentar bons pensamentos é tarefa pessoal e intransferível e não conseguimos delegá-los para o terapeuta, para o psiquiatra e nem para os remédios. Embora todos esses recursos sejam muito bem-vindos nessa caminhada, o maior empenho é feito por nós, no silêncio da nossa intimidade. Um bom começo pode ser parar de culpar as circunstâncias ou as pessoas e puxar a responsabilidade para si. Temos uma boa reflexão na filosofia de Jean Paul Sartre: “O que você fez com o que te fizeram?”.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por