Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

De onde vem o medo da solidão

Publicado em 24/07/2025 às 06:00.

Em meu consultório sempre recebo queixas sobre o “medo de ficar sozinho”, uma sensação bastante comum que faz com que muitos se submetam a relacionamentos unilaterais, amizades ruins, más companhias, a fim de evitar estar só.

Cercar-se de pessoas, independentemente da qualidade da troca, pode ser, em certa medida, um remédio que alivia a solidão, mas está longe de resolver a questão. Aliás, piora, uma vez que a anestesia de estar sempre ocupado impede o autoconhecimento – mergulho profundo dentro de si.

Mas é importante analisar de onde vem esse medo. Penso em duas frentes: questões subjetivas e objetivas. A primeira tem a ver com as incertezas da vida. Não sabemos sobre o dia de amanhã, não temos garantia de nada e poucas coisas estão, de fato, sob nosso controle.

Toda essa instabilidade faz com que fiquemos vulneráveis e busquemos nos cercar de outras pessoas. Essas inseguranças perante a vida escancaram nossa sensação de desamparo, um vazio existencial que é uma espécie de buraco fixo que não tem como preencher. A natureza desse vazio nos deixa com sentimento de solidão, o que de fato procede. Nossas emoções são intransferíveis, portanto somos sozinhos perante elas.

Já as questões objetivas que também estimulam o medo são as possibilidades de se ter dificuldade financeira, debilidade físico-motora, problemas na senilidade, saúde mental, doenças graves, incapacidade de locomoção e outras fragilidades às quais estamos sujeitos. Cada vez que tememos esse tipo de percalço, sentimos medo de não termos a quem recorrer. Muitos, em função desse medo, dão logo um jeito de ter filhos para deixar na responsabilidade deles o cuidado consigo. Entretanto, procriar somente para essa finalidade não deixa de ser uma grande demonstração de egoísmo. 

Além das questões subjetivas e objetivas, temos também questões culturais/sociais. Vivemos em um mundo onde se valoriza muito o “casar e ter filhos” e que estigmatiza quem está só como “sinônimo de fracasso”. Com isso, muitos buscam uma companhia afetiva tanto para atenuar a solidão quanto para adequar à cultura casamenteira que traz num subtexto muito escamoteado o “antes mal acompanhado do que só”. E é assim que muitos vivem: arrastam casamentos falidos, onde o amor dá lugar à agressividade, vida conjugal paralela, relacionamento de fachada, submetendo-se a todos os tipos de humilhação para evitar ficar só. 

Temos também outro problema na vida conjugal: a solidão a dois. Aqui, a pessoa não está fisicamente sozinha, mas sim emocionalmente. Faltam carinho, afeto, consideração, companheirismo, amizade, confiança, escuta, troca, tudo que é a base de uma relação. Há uma sensação de que se está sozinho – ainda que acompanhado. O cenário piora  quando a relação é conflituosa: nesse caso, além da solidão, há a ausência de paz. Vale ressaltar que o relacionamento conturbado inebria a solidão, fazendo com que o envolvido gaste muito tempo administrando o caos e não dê cara com o vazio. O tumulto disfarça a solidão de muitos casamentos. Coloca-se o péssimo para melhorar o ruim. 

Sentir medo da solidão e querer estar acompanhado ou cercado de pessoas não é, em si, nenhum problema. A reflexão que se faz importante é quanto isso nos faz baixar o nível das nossas companhias, diminuir as trocas de qualidade e principalmente nos impede de desenvolver e desfrutar da própria riqueza interior. 

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