Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Interação com leitores - Cleptomania

Publicado em 09/06/2022 às 06:00.

Periodicamente dedico essa coluna para respostas de perguntas que recebo de leitores. Hoje, trago parte de um relato que me foi enviado por email. 

“Sinto uma vontade incontrolável de roubar objetos na casa das pessoas. Podem ser de conhecidos ou não, ricos ou pobres, objeto caros ou sem nenhum valor. Se eu pego o objeto e coloco na bolsa, sinto um alívio imediato e dali para frente eu consigo relaxar. Caso contrário, sinto tanta ansiedade que fico roendo unha, balançando a perna, com fala desconexas. Mas quando eu pego o objeto, tudo se acalma. Parece mesmo um remédio, ou uma droga.

Por não conseguir me controlar, eu comecei a não sair de casa para nada. Perdi meus amigos, não tenho relacionamento afetivo nem social. Minha família acha que eu faço isso porque eu quero. Me chamam de ladra e de mau caráter, mas eu não sou essa pessoa que eles falam”. 

Um caso clássico de cleptomania, uma doença psiquiátrica, caracterizada pela necessidade incontrolável de furtar objetos. É realmente difícil de ser compreendida. Nem mesmo o próprio indivíduo portador do transtorno sabe explicar o motivo do ímpeto de furtar objetos. É guiado pelo impulso irresistível e involuntário, muito maior do que sua capacidade de resistir, daí a inclusão dessa doença nos Transtornos do Controle dos Impulsos.

Um fato importante é que, ao furtar um objeto, o cleptomaníaco sente imediatamente sentimentos antagônicos de prazer e alívio com culpa e tristeza. A manifestação dessa doença acontece da seguinte forma: num primeiro estágio, antes do ato, existe uma atmosfera de tensão, uma ansiedade e um clima de medo.  Após o furto a tensão dá lugar ao prazer gerador de bem estar e calma. E por fim, o arrependimento e a culpa.

Muitos prometem nunca mais repetir o ato. Já outros admitem sua incapacidade e optam por parar de viver em sociedade.

É importante considerar a diferença entre ladrões e cleptomaníacos. Em termos absolutos, ambos furtam objetos, mas por motivações diferentes. Um o faz deliberadamente visando o valor do bem roubado. Há uma clara intenção financeira. Já o outro é portador de um transtorno, seu furto não objetiva lucro e tampouco lhe falta consciência moral. Geralmente os objetos roubados não são de grande valor monetário, embora isso não seja uma regra invariável. Muitas vezes o cleptomaníaco rouba algo que nunca terá utilidade, como um brinco quebrado, batom usado, pote de creme, uma caneta, adornos de casa ou objeto de valor emocional.

O caminho para tratamento geralmente passa pela medicação e terapia, sendo possível se livrar dessa conduta. O que ocorre é que pessoas com esse transtorno dificilmente buscam ajuda, pois sentem vergonha e acreditam que conseguem resolver sozinhas. Costumam buscar tratamento queixando-se de depressão ou ansiedade e omitindo o ponto principal. Mas falar abertamente para um profissional de saúde é o único caminho para a solução do problema que pode ser mais comum do que se imagina. 

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