Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

Intoxicação emocional

Publicado em 12/12/2024 às 06:00.

É sabido que comer algo estragado pode resultar em sérias complicações à saúde, desde uma indisposição até uma grave intoxicação. O mesmo pode ocorrer no campo das emoções, e a gravidade da complicação pode envenenar de forma letal. 

Quem preza pela saúde física não pode descuidar da psíquica, que merece receber igual ou superior atenção. De nada adianta ter uma dieta saudável se emocionalmente bebe veneno. Incorporamos  nossas emoções de forma a promover cura de doenças ou fabricá-las, afinal, somos aquilo que sentimos. 

A intoxicação emocional pode se manifestar por meio de tristeza, irritabilidade, falta de ânimo para com a vida, humor deprimido ou amargurado e sensação constante de angústia. Quando há somatização passa-se a sentir mal-estar físico e os mais comuns são doenças de pele, queda de cabelo, cefaleia, problemas estomacais como úlceras e gastrite, episódios de doenças autoimunes, entre outros problemas. 

Nos intoxicamos cada vez que nos enquadramos para caber num molde que não nos serve, desejando ou fingindo que não está tão incômodo assim. Passamos meses, quiçá anos, tentando nos convencer de que há compensações para fugirmos da responsabilidade para com a gente mesmo de nos posicionarmos perante o outro. Essa omissão se desdobra em um desconforto permanente, que ora é menos vislumbrado, mas que está sempre presente, como uma pedra no sapato que de vez em quando se encaixa num canto que permite não doer tanto.. Nesse alto e baixo nega-se o óbvio: a infelicidade auto consentida.

Outra forma de nos intoxicarmos é através da raiva, que de tão grande vira indignação. Não podemos negar que algumas situações são tão injustiças que geram revolta,  contudo cultivar esse sentimento, além de não colaborar com a solução, ainda nos contamina a tal ponto que tomamos atitudes das quais  por vezes nos arrependemos. Ou seja, como diz o ditado: “o ódio cega”.

Além disso, a raiva também tem um conteúdo de imaturidade devido ao seu teor acusativo: tem sempre um culpado para a minha dor. Ficamos com raiva de quem nos prejudicou e isso nos projeta para o lugar da vítima. Sentir raiva é um importante dreno de energia psíquica, ficando o indivíduo com sensação de esgotamento. Uma boa forma de lidar com situações que nos provocam raiva é aplicando uma frase dita por Freud: “Um sinal de maturidade é quando conseguimos trocar a raiva por tristeza”. A raiva acusa, enquanto a tristeza lamenta-se e segue em frente. 

Outra forma de nos contaminarmos, tão nociva quanto as anteriores, é a famosa preocupação. Há um pensamento que parece estar impregnado no imaginário coletivo de que preocupar-se é demonstração de responsabilidade. Um grande equívoco! Pre-ocupar é se ocupar antes do problema de fato ocorrer, é o mesmo que dar adubo para a ansiedade. Outro equívoco é pensar que é impossível atravessar certos desafios na vida sem a presença da preocupação, como se ela fosse parte inerente do processo - e, na verdade, não é. A preocupação tem a ver com a insegurança, que, de certa forma, está ligada às incertezas da vida. Mas, dado ao fato de que esse é o princípio da existência, precisamos aprender a viver, com sabedoria, lidando com os problemas à medida em que eles vão aparecendo e não antecipando situações hipotéticas e catastróficas que em sua maioria não acontecem.

E, por fim, nos intoxicamos, e muito, através do sentimento de culpa. Uma autopunição que está a serviço de nos castigar para garantirmos, para nós mesmos, que não somos uma pessoa ruim. A culpa só é devida se de fato prejudicamos alguém, e quando isso ocorre temos sempre a opção de nos desculparmos e tentarmos junto ao outro reparar o dano. É importante lidarmos de maneira mais prática e menos mental com nosso sentimento de culpa. 

Evitar beber venenos emocionais é sinal de força, maturidade e amor próprio. Uma boa meta de vida para o ano que se inicia. 

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