Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

O amor universal e o ódio na rede social

Publicado em 21/12/2023 às 19:25.

Nunca tivemos tanta oportunidade de ver e ouvir as pessoas como nos tempos atuais: vídeos, fotos e textos passam mensagens reproduzidas por cada um em suas redes. Alguns temas são mais recorrentes, como a importância do amor, respeito às diferenças, resiliência e empatia. O curioso é que, na contramão dessa sabedoria, presenciamos a forma colérica com que as pessoas promovem o linchamento umas das outras. Uma avalanche de raiva em meio ao mar de amor. Comportamentos antagônicos, muitas vezes vindos das mesmas pessoas. 

É importante levar em consideração a proteção que uma tela confere a seu usuário, a ponto de ele se sentir absolutamente confortável para reverberar insultos sem nenhum constrangimento. O mesmo não aconteceria se ambos estivessem cara a cara. Uma coragem extra cresce junto com o parcial anonimato - se é que podemos chamar esse comportamento covarde de “coragem”. 

Algo parecido ocorre quando as pessoas estão ao volante e se deparam com algo que as desagrada, estando estes certos ou não, os motoristas se sentem seguros o suficiente para tecer xingamentos sem se importar. E por vezes têm conduta parecida com as que reprova, xingam quem parou em fila dupla, mas quando precisam, fazem igual. Um duplo padrão moral que autoriza condenar o outro pelo mesmo crime que comete. 

Nessa contradição de ideias e de conduta uma coisa interessante chama a atenção: quando apontamos o dedo para fora nos isentando de autocrítica, automaticamente nos posicionamos acima do outro como se disséssemos: “eu faço o certo e você, o errado”, “eu sou bom e você é ruim”. 

Na internet são chamados de “haters” ou “odiadores” as pessoas que vivem do expediente de insultar o outro. São moralistas e donos da verdade cujo principal objetivo é engajar uma campanha difamatória direcionada a alguém cujo comportamento ele reprova. 

E não me refiro a questões graves, como agressão, por exemplo. Às vezes, uma simples roupa considerada estranha já é motivo para críticas, ironias e comentários agressivos. Um mar de pessoas ávidas aguardando a oportunidade de despejar sua insatisfação interna no outro. 

O ditado popular que diz “o sujo falando do mal lavado” é muito apropriado para quem, com a vida toda desorganizada, se dá ao trabalho de julgar a vida do outro; com o coração cheio de ódio escreve textos enormes sobre o amor - sentimento este que parece bem distante de quem prega. 

Esse massacre seguido de contradições não ocorre somente na internet, existe também no trabalho, onde os grupos se unem e espalham fofoca; em família também é muito comum, ambiente religiosos onde as pessoas rezam ao mesmo tempo que falam mal uma das outras; na publicidade, quando casais em nome da mídia passam a imagem de vida perfeita, deixando escondida a vida extra conjugal. A diferença é que nas redes o compromisso não é com a verdade e sim com a imagem quase sempre embalada em filtros. 
Mentiras, hipocrisia, amor e ódio resumem o ambiente das redes, onde passamos horas a fio. 

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