Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

O desalinho entre a persona visual e a presencial

Publicado em 06/07/2023 às 06:00.

O mundo virtual está totalmente estabelecido e através dele nos comunicamos, trabalhamos, conhecemos pessoas e mantemos relações. 

Esse novo formato permite algumas interações e esconde algumas dificuldades, como, por exemplo, a timidez. Para os tímidos, interagir virtualmente é uma maravilha, pois nada mais confortável que a proteção de uma tela. Além disso, algumas outras coisas também são possíveis, como rir sem achar graça, parecer interessado num assunto desinteressante, se despedir ou deixar de responder quando se faz conveniente. 

Com toda essa diferença de formato, nasce também a possibilidade do desalinho das personas, ou seja, a pessoa é uma virtualmente e outra bem diferente pessoalmente. E não me refiro à aparência, o que é muito comum de acontecer devido às manipulações de imagem, mas sim comportamental. 

O relato que recebi de uma leitora ilustra bem tal questão. 

“Conheci uma pessoa num aplicativo de relacionamento e começamos a conversar. Foram 30 dias seguidos de conversas diárias onde ele era engraçado, interativo, se mostrava super interessado em saber dos assuntos do meu dia, conversávamos sobre diversos temas onde ele sempre me acrescentava algo que eu não sabia. Uma pessoa muito inteligente, amável, divertida e culta.

Além disso, quando começamos a conversar sobre intimidades sexuais ele falou abertamente sobre algumas preferências com muita desenvoltura. Mais aumentou meu interesse por ele e o dele por mim também parecia grande.

Como morávamos em cidades diferentes, marcamos uma data para nos encontrarmos pessoalmente. Escolhemos uma cidade na metade do caminho, reservamos um hotel e cada um saiu da sua cidade e fomos. Eu cheguei primeiro e preferi o esperar na recepção. Ele chegou e logo nos reconhecemos, pois havíamos trocado muitas fotos, mas foi só isso que foi igual, pois de resto foi um desastre.

Aquela pessoa divertida, que ria e conversava, deu lugar a outra completamente inexpressiva, monossilábica e distraída. Sim, ele era culto e inteligente, mas não interagia da mesma forma, era muito introvertido e sério. Eu só ficava lembrando das risadas que a gente dava nas conversas online. Digo a gente pois ele mandava um monte de bonequinho rindo e eu ria de verdade do lado de cá. Eu falava outra coisa, ele respondia com “kkkkkk”, mas ao vivo ele nem parecia uma pessoa feliz. Dei um desconto pois achei que fosse o primeiro momento, mas não, ficamos na cidade um fim de semana inteiro e ele era impaciente, mal humorado e tenso.

Realmente, outra pessoa a viagem toda. Aquele desejo sexual falado também não apareceu hora nenhuma. Quando voltamos para as nossas cidades ele me mandou um mensagem enorme perguntando se eu não gostei dele. Sim, eu gostei, mas da versão virtual, a presencial era horrível”. 

Histórias como essa são comuns de acontecer, não só entre desconhecidos, mas também entre pessoas que convivem habitualmente. A se ver pelas lindas declarações de amor feitas virtualmente, mas pessoalmente atos contrários ao amor. 

Vale a reflexão: assim como devemos alinhar nossa fala ao nosso comportamento para não sermos contraditórios, nos convém mantermos as mesmas personas, mas, em caso de desalinho, é melhor capricharmos na versão presencial. 

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