Simone DemolinariPsicanalista com Mestrado e dissertação em Anomalias Comportamentais, apresentadora na 102,9 e 98 FM

O desalinho entre a prática e a prédica

Publicado em 19/10/2023 às 06:00.

Pode parecer estranho, mas nem sempre aquilo que afirmamos querer de fato é verdade. Isso porque o número de mentiras que falamos pode ser bem maior do que imaginamos. 

Um exemplo típico é quem afirma querer largar o cigarro mas na verdade nada faz para atingir tal êxito, a não ser desejar com afinco que a vontade de fumar diminua. Na mesma linha temos quem afirme querer emagrecer, economizar dinheiro, conseguir outro emprego, uma nova parceria afetiva, mas não consegue um resultado satisfatório. A vontade de fato existe, mas o comportamento não caminha na mesma direção. É como se uma pessoa dissesse querer chegar a São Paulo, dirigindo em direção ao Rio de Janeiro.

Certa vez ouvi uma história de um rapaz que pedia, com muito empenho, para a namorada lhe dar uma segunda chance e prometia um comportamento impoluto em prol de conquistar a confiança perdida. Mas em poucas semanas já titubeava na retidão e retomava o comportamento duvidoso.

A namorada o confrontava, e isso causava nele uma grande irritação, e ele a culpava de rancorosa. Na prédica, jurava amar, mudar, recuperar a confiança; na prática, repetia um padrão. A pergunta que fica é: será que de fato havia um desejo real de mudança ou apenas uma vontade de ser perdoado, sem a necessidade de fazer sacrifícios? 

Querer resultado sem verdadeiramente se dedicar para obtê-los, além de uma grande fantasia infantil, ainda revela a síndrome do desejo milagroso.


É preciso observarmos o que andamos proferindo; se nossa prédica estiver desalinhada da nossa prática, devemos ajustar ou a fala ou a ação, caso contrário corremos o risco de permanecermos uma vida inteira na mentira.

João, um rapaz de 48 anos, realizado profissionalmente, com a vida financeira estabilizada, de fácil traquejo social, afirmava que só faltava em sua vida uma esposa e filhos. Aliás, dizia que sempre buscou por isso, contudo não teve a sorte de encontrar ninguém.

João teve várias namoradas, de diferente modelos, da mesma idade, mais novas, mais velhas, independentes, dependentes, que moravam na mesma cidade, que moravam distante, muito ciumentas, mais tranquilas e quase todas queriam casar e constituir família. Já João, que também afirmava querer, optava por continuar em busca de “algo mais” que nem mesmo ele sabia especificar o que era.


Quando as relações iam caminhando para um compromisso mais sério, ele dava um jeito de finalizar, e assim seguiu terminando com quase todas as pessoas que passaram pela sua vida. Mesmo com esse vasto currículo afetivo, ninguém havia despertado nele a decisão de casar, embora ele fizesse questão de salientar que as moças eram ótimas. Seja por medo, insegurança ou mesmo indisposição para as concessões da vida a dois, as suas ações revelavam um claro desejo de permanecer solteiro.

Se fizermos um mergulho honesto dentro de nós teremos mais chances de sermos verdadeiros, e se mesmo assim quisermos insistir em mentir, que pelo menos não seja para nós mesmos. 
 

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