Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

A cultura do bom senso

Publicado em 23/08/2024 às 06:00.

Abri a porta do carro por aplicativo e perguntei ao motorista se eu poderia levar uma sacola grande, cheia de papéis e linhas para artesanato, no banco de trás do carro ou se ele preferia abrir o porta malas. Ele me perguntou se a sacola estava suja. No que eu disse que não, ele autorizou a ida no banco mesmo.

Quando ele me perguntou da condição da sacola, ele não estava bem feliz com aquele objeto a ser transportado dentro do carro, não. Para quebrar o clima, ou estragá-lo de vez, perguntei se tinha muita gente sem noção, que seria capaz de colocar uma sacola suja no banco e ele disse que entra gente bebendo cerveja, acabando de fazer um lanche, sempre gorduroso, que além do perigo de sujar, deixa um cheiro forte no carro, e, até mesmo, tomando café em copo descartável aberto.

 Nesse momento ele já começava a relaxar e disse que só me deixou entrar porque ele percebeu que eu era gente boa, uma vez que perguntei antes de já ir me jogando porta adentro. Ele explicou que quando a pessoa chega com o copo de bebida, ou com criança se alimentando daqueles salgadinhos fedidos, por exemplo, que ele pede ao passageiro para pedir outra corrida, pois ele cancelaria aquela viagem e assumiria o prejuízo: “Dá menos dor de cabeça e despesa, também”, explicou. Se um motorista tiver que levar o carro para uma limpeza, dependendo do que caiu no seu interior, é um dia de trabalho perdido e as pessoas não entendem isso.

Começamos a falar sobre consciência social. Eu tinha acabado de voltar de uma pequena viagem de férias à cidade de Recife e numa manhã de segunda-feira, antes do meu voo, resolvi fazer a última caminhada na orla. A areia da praia estava lotada de tudo quanto é tipo de objeto que se tornou lixo e foi deixado para trás por aqueles que desfrutaram de um lindo domingo de sol. Eu sabia que dali a pouco a equipe da prefeitura passaria recolhendo embalagens de margarina, chinelos arrebentados, lâminas de barbear, potinhos de filtro solar, camisas rasgadas e dezenas de outros tipos de objetos despejados na natureza. Mas, como as pessoas não se preocupam com o que descartam ou deixam por ali? 

Para a minha surpresa, boiando e bailando nas ondas do mar, tinha um colchão grosso de espuma. Eu estava sem celular na hora e não pude registrar aquela cena, já que nem eu acreditava no que estava vendo. Tentei formular mentalmente o que faria uma pessoa descartar um colchão na praia.

Voltando para Belo Horizonte, ouvia uma reportagem numa rádio local falando diretamente do aeroporto de Confins. O repórter perguntava às pessoas se os clientes que atrasassem ou cometessem algum ato anormal deveriam ser responsabilizados, suspensos pela companhia aérea de voar e pedia ao entrevistado para opinar. Antes de continuar, tenho que fazer um breve comentário. Li uma reportagem atual a respeito de um casal que foi retirado de um voo nos EUA porque o marido tinha acabado de fazer um implante capilar e estava com a cabeça sangrando. As matérias falavam em cabeça ensanguentada. Eles se recusaram a sair da aeronave e foram presos. O perigo de contaminação para quem estava no voo era possível, mas o casal afirmou que tinha pressa em retornar para casa.  

Voltando à entrevista na rádio, um entrevistado respondeu que a falta de senso comum só melhoraria se tivesse algo relacionado a isto sendo ensinado nas escolas. Coitadas das escolas. Já não basta a mudança de comportamento das novas gerações, as ameaças à vida, ainda querem colocar na grade escolar tudo que não cobram das famílias.

Atitudes como jogar lixo nas ruas, às vezes até alegando que não se tem lixeiras suficientes na cidade; deixar um carrinho de supermercado na entrada do caixa, impedindo o trânsito de outras pessoas, entre outros, estão se tornando hábitos. E não é que tem situações que beiram ao criminoso, como urinar em frascos de sabonete líquido dentro de banheiros públicos ou depredar praças públicas e pontos de ônibus.

Um dos apresentadores do podcast da escola de filosofia Nova Acrópole explicava sobre o que é voluntariado. Eu adaptei o que ouvi para o seguinte: toda e qualquer pessoa que, por adesão própria, pratique uma ação que beneficie a alguém que não seja a si mesmo está praticando um ato voluntário. Já a definição de consciência social, dada pelo cientista político Heni Ozzi Cukier, é “o conhecimento que uma pessoa tem do seu papel na sociedade, além daqueles que outras pessoas também já desempenham. Um indivíduo socialmente consciente é aquele que conhece os problemas e os interesses das pessoas ao redor”. E ainda completa: “Assim, consciência social é o modo de enxergar a realidade e perceber o seu lugar no mundo – isto é, ter noção dos impactos da existência dentro do coletivo”, afirma Cukier.

Ainda precisamos de muita educação, ensino, aprendizagem e vivência moral e ética para que uma nova cultura se estabeleça. A cultura do bom senso.

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