É comum ouvir que a nova geração não suporta a dor, que qualquer frustração vira crise, qualquer contratempo parece insuportável. Alguns atribuem isso ao fato de que muitos desses jovens cresceram em tempos de mais direitos garantidos, com menos escassez e, em certos contextos, sem a urgência de lutar por sobrevivência. Esse relativo conforto, somado à tecnologia que oferece alívio imediato para quase tudo (de comida a entretenimento), teria criado uma geração com menos tolerância ao sofrimento e à espera. Mas essa análise, ainda que parcialmente verdadeira, precisa ser feita com cuidado para não cair na armadilha de saudosismos. Porque se há jovens que realmente foram pouco exigidos pela vida, há também uma geração sobrecarregada por um mundo instável, por ansiedades difusas, pela cobrança por perfeição, felicidade, performance e sucesso.
Por outro lado, muitos pais, já escaldados por terem vivido dores profundas, sejam econômicas, afetivas, de pertencimento ou emocionais, tentam proteger seus filhos do sofrimento. É compreensível: quem foi ferido, muitas vezes, quer impedir que aqueles que ama sangrem. Ao fazer isso, correm o risco de blindar demais os filhos da própria experiência da vida. Ao evitar o “não” ou ao não conseguirem estabelecer diálogo, ao impedir que enfrentem frustrações naturais da existência, esses pais não livram os filhos da dor, ainda que pareça que sim. Eles apenas os tornam menos preparados para lidar com situações desafiadoras.
A dor incomoda. É chata, irrita, trava a gente. Mas... e se ela não existisse?
O que para nós é incômodo, para elas é ausência de alarme. E o alarme, por mais estridente que seja, é o que evita tragédias. Esse fenômeno médico serve de metáfora poderosa. Afinal, se a dor física é tão importante para a nossa sobrevivência, o que dizer da dor emocional?
Vivemos tempos em que sentir se tornou quase um pecado. Somos incentivados a mostrar força o tempo todo, a seguir adiante, a superar sem parar para entender o que se passou. Há livros de autoajuda, discursos motivacionais e posts nas redes sociais nos dizendo que tudo é aprendizado, que basta virar a página, que dor é fraqueza. Mas será mesmo?
A dor emocional cumpre o mesmo papel de alerta que a dor física. Quando um ambiente de trabalho nos adoece, é o mal-estar persistente que nos diz: "esse lugar não é para você". Quando um relacionamento amoroso vira controle, silêncio, medo, é a angústia que se instala no peito que nos mostra o que antes fingíamos não ver. Mas ao invés de ouvir o grito da dor, muitas vezes escolhemos o silêncio. Fingimos que não dói, que já passou, que está tudo sob controle. E aí seguimos como as pessoas que não sentem dor física: ignorando os sinais, acumulando feridas, deixando que a vida continue nos machucando, até que um dia, não aguentamos mais.
Numa cultura em que não há tempo para luto, nem espaço para tristeza, chorar virou sinal de fraqueza. Pedir ajuda, um atestado de incompetência. E, assim, vamos anestesiando as emoções com distrações, com remédios, com risos forçados. O perigo disso é que passamos a viver como se não sentíssemos e o que não é dito pelo coração se manifesta pelo corpo. Gostei de uma frase que ouvi esses dias: “O que não passa pela garganta fica no corpo”.
Ainda há casos em que carregamos culpas que não são nossas, pesos que foram empurrados para nossos ombros desde a infância. E, por não compreendermos sua origem, apenas convivemos com elas, achando que viver é mesmo isso: caminhar com algo doendo por dentro.
Nem toda lição precisa vir pelo sofrimento, é verdade. Mas, quando ela aparece, quase sempre é porque ignoramos outros sinais. A dor, então, é o último recurso do corpo ou da alma para nos fazer parar. É o grito que resta quando o sussurro foi desprezado.
Aprender a ouvir a dor é um ato de responsabilidade e coragem. Exige sensibilidade, escuta, humildade. Exige tempo. Exige a capacidade de não se apressar na busca por soluções, mas de mergulhar no desconforto para entender o que ele quer nos contar.
Às vezes, a dor está pedindo mudança. Outras vezes, está pedindo perdão. Outras, ainda, está pedindo apenas que você descanse ou preste atenção em algo que tem passado despercebido. Que você se trate com mais gentileza, que reconheça que não é obrigado a suportar tudo o tempo todo. Dizer isso não significa romantizar o sofrimento, muito menos incentivar que alguém permaneça na dor. Pelo contrário, é um convite a escutá-la com atenção e respeito, para que não seja necessário que ela aumente o tom.
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