Camile tinha 18 anos quando seus pais se despediram definitivamente dela. A dor da perda da filha caçula uniu ainda mais Gláucia e Eduardo Tavares. E foi desta dor que o casal resolveu reunir, inicialmente de maneira informal, pais que viviam estas situações de luto.
Da reunião de 12 casais surgiu a Rede API – Apoio às Perdas (Ir)Reparáveis, que foi se espalhando por outras cidades mineiras e alguns estados brasileiros, acolhendo famílias enlutadas.
Numa entrevista que fiz com a psicóloga Glaucia Tavares, me marcou quando ela disse que a gente não supera a perda de uma pessoa. O que acontece é que nós vamos aprendendo a viver com aquela ausência, criando significados novos a partir dali, mas não esquecendo ou superando ninguém.
O meu interesse pelo estudo da finitude era antigo, mas com certeza pessoas como a Gláucia, a dra. Cristiana Savoi e outros profissionais tão humanos me despertaram ainda mais a curiosidade e a paixão pelo tema.
Um dia, navegando pelas redes sociais, vejo a Gláucia Tavares anunciar que seria docente de um curso livre, promovido pelo Núcleo Singularidade, especializado em envelhecimento, saúde mental e tanatologia. O curso, composto por 12 encontros virtuais, um a cada mês, reúne profissionais de várias partes do Brasil responsáveis por ministrarem as aulas. O tema logo me saltou aos olhos: “Tanatologia, Perdas e Lutos”.
Fiz a minha inscrição e já estava apreensivo para a primeira aula, que falava, entre tantas outras abordagens, sobre a educação para a morte. Este é um assunto que geralmente evitamos, desconsideramos, não encaramos, já que culturalmente falar da morte nos traz maus agouros e até a atrai para perto de nós – como se ela já não estivesse.
Não somos educados para a morte. Ao morrer um avô, os pais dizem às crianças que ele virou estrelinha, foi para o céu, foi morar com Deus, fez uma longa viagem. “Venhamos e convenhamos” que todas as desculpas dadas são mais atrativas que consoladoras. Ao morrer um animal doméstico, os pais compram outro para suprirem ou abafarem a dor da perda do filho, o que pode fazê-lo acreditar que assim se dará com todos que ele goste quando vierem a morrer: haverá outro substituto, assim como o animalzinho ou o brinquedo que foram repostos.
No domingo após a aula, cheguei em casa falando com a minha família, numa reunião para o almoço, os meus desejos em estado terminal de vida. Expliquei aos meus irmãos sobre o testamento vital, muito conhecido como Diretivas Antecipadas de Vontade, que eu acho que todos deveríamos saber do que se trata, já que é um documento no qual a pessoa expressa a quais procedimentos médicos ela desejaria ou não ser submetida no caso de uma doença grave e/ou terminal e em que esta pessoa esteja incapacitada de tomar suas próprias decisões. Expliquei que este tinha sido um dos temas do curso de Tanatologia que eu estava fazendo e gostando demais. Meu irmão foi rápido em se manifestar: “Pra que fazer curso de morte? A gente tem que fazer curso de vida”.
Na minha casa, à mesa, não falamos sobre a morte. E fora dela também não. É a tormenta da morte, atormentada morte.
Como disse o autor de “O Pequeno Príncipe”, Antoine de Saint-Exupéry, desta vez no livro “Terra dos Homens”: “O que dá sentido à morte também dá sentido à vida”.
Encontrei um texto do escritor Victor Lisboa, publicado pelo site contioutra.com, que descreve muito bem a importância de conversarmos sobre vida e morte.
“A consciência de nossa mortalidade pode rearranjar nossas prioridades e nos encorajar a não protelar nosso comprometimento com a vida. A percepção da impermanência de tudo pode transformar a forma como nos relacionamos com os outros e com o mundo, além de reestruturar nossa escala pessoal de valores. A compreensão de que certa quota de sofrimento é parte inerente de nossa existência pode estimular o exercício da compaixão por todos os seres vivos, já que todos nós vivenciamos a mesma experiência fundamental de confusão e finitude.
Como um banho de água fria, a compreensão de que nossas vidas são finitas tem a vantagem de nos acordar e limpar a sujeira em nossos olhos, eliminando todos os obstáculos que nos impedem de ver o que realmente importa aqui e agora. A permanente consciência de que vamos morrer um dia é capaz de rearranjar nossos valores e prioridades de uma forma mais fiel a nossos princípios e caráter. Já não perdemos tempo nem nos distraímos com coisas que nos desviam do que realmente é importante em nossas vidas.”