Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Alimente seu cérebro

Publicado em 02/02/2024 às 06:00.

É preciso ter disciplina, disso eu não tenho dúvidas. São várias as possibilidades de você se distrair enquanto assiste a um curso virtual, seja por causa de uma mensagem que faz o celular piscar, alguém conversando dentro de casa ou simplesmente a nossa mente, que sabe perfeitamente voar para lugares que a gente não controla.

Assinei uma plataforma de cursos no ano passado e só consegui completar um dos diversos conteúdos disponíveis aos assinantes, cada um com tema melhor do que o outro. Mas, infelizmente, com a correria e o cansaço do dia a dia, acabei não voltando mais. E eles estão todos lá, pagos para serem usados.

Recentemente, fazendo umas pesquisas, encontrei o anúncio de um curso específico, que aborda a Pedagogia da Emergência, uma proposta desenvolvida pelo alemão Bernd Ruf, com base na pedagogia Waldorf.

As intervenções da Pedagogia da Emergência procuram ajudar crianças e jovens traumatizados, por meio de medidas de estabilização, durante o processo de superação dos seus traumas. Através da segurança e proteção proporcionadas, da criação de laços emocionais confiáveis, do desenvolvimento da autoestima e de realizações próprias, da redução do desgaste emocional, como também da criação de uma atmosfera de grupo positiva, as forças da autocura das crianças e vítimas são ativadas.

Atuando em grandes tragédias em todo o mundo, a equipe que trabalha esta metodologia enfrenta situações diversificadas, desde crianças que perderam suas casas e seus pais num maremoto a aquelas que viram sua comunidade sucumbir debaixo da lama, como em Brumadinho, MG.

A dor, o medo, a vivência da solidão aumentam o nível de estresse e enfraquecem o sistema imunológico. Há situações vivenciadas pelas crianças e não tratadas no momento adequado que se manifestam mais adiante, aflorando aquilo que não foi cuidado.

No livro “Destroços e traumas”,  Bernd Ruf traz uma citação do filósofo e escritor austríaco Martin Buber: “É junto ao tu que o ser humano se torna eu”, evidenciando que somos feitos dessa malha de relações sociais e ressaltando que as crianças precisam de pessoas que sejam referências em suas vidas: pais, professores, amigos. E, aí, não tem como não citar Guimarães Rosa, que disse: “é junto dos bão que a gente fica mió”.

Com este curso em andamento, não dei conta de não me inscrever em outro, com duração de três encontros, que visa tratar, de uma maneira geral, mas com exemplos bem práticos, o convívio com pessoas com demência.

A Cláudia Alves criou um canal “O bom do Alzheimer”, no Youtube, quando descobriu, há 13 anos,  que a sua mãe, dona Francisquinha, estava com o Alzheimer e ela não tinha noção do que fazer. Após sofrer muito, passar por “trancos e barrancos”, Cláudia foi pesquisando, ouvindo os médicos, lendo, buscando um conhecimento que ainda era bem incipiente quando a mãe foi diagnosticada.

Ela conta que fez tudo errado. A mãe perguntava sobre alguém que havia morrido e ela contava da morte, fazendo a mãe ficar triste e nervosa com um luto que ela vivia a cada vez que ouvia sobre a perda de alguém. Depois ela esquecia, mas até que isso acontecesse, o sofrimento era de cortar o coração.

Dona Francisquinha foi passando por várias fases e a Cláudia foi apanhando, aprendendo e hoje ela ensina as pessoas a lidarem com estas situações. A fuga de casa, algo bem comum em alguns casos; as brigas acaloradas; as invenções sobre ser roubada ou maltratada por alguém; o uso de espaços comuns dentro de casa para fazer suas necessidades fisiológicas, quando não são feitas em público, fora de casa, sem a menor cerimônia;  a libido exagerada, etc.

Eu não tenho nenhuma ocorrência de Alzheimer próximo a mim, mas ouço tantas pessoas contarem suas experiências traumáticas e dolorosas, que me interessei em conhecer um pouco mais a respeito do assunto. Estas aulas são uma espécie de degustação gratuita como forma de divulgar um método que a Cláudia criou e ensina, em um curso pago, para cuidadores familiares ou profissionais, profissionais da saúde, etc.

Com vídeos ilustrativos, a Cláudia faz a gente se sentir naquela situação e, a partir dali ela traz as orientações do que pode ser feito. Nos depoimentos, muita gente falando sobre a rotina do paciente e do cuidador, como a perda de sono do familiar, que impacta no sono do cuidador, as discussões constantes e por aí vai. Com a técnica, a vida dos familiares vai se adaptando àquela nova realidade e os embates vão cessando.

Um vídeo mostra a dona Francisquinha nervosa, vindo em direção da Cláudia para bater, quando a filha começa a cantar para a sua mãe uma música do seu tempo. Ela para, ouve, sorri e se acalma.

Eis a importância de encontrar bom conteúdo, que possa ser utilizado para melhorar a nossa qualidade de vida, para nos proporcionar conhecimento sobre determinadas áreas e ampliar nosso repertório. Inclusive, uma amiga, curiosa sobre o funcionamento do cérebro, me disse que tudo aquilo que é novo, faz o nosso cérebro sair da posição cômoda e trabalhar. O novo pode ser bom para o cérebro, podemos assim dizer.

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por