Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Aos pedagogos e educadores, nosso respeito

Publicado em 28/02/2025 às 06:00.

Aos 69 anos, minha mãe, professora há mais de três décadas, foi aprovada no curso superior de Pedagogia. Aos 72, concluiu sua graduação. Este ano ela completa 90 anos de idade. Naquela cerimônia, ao lado da minha família, fui chamado ao palco antes do início oficial para integrar a mesa de honra e testemunhar um dos momentos mais emocionantes da minha vida: a formatura da minha própria mãe.

Não apenas assisti, mas participei ativamente ao entregar-lhe o diploma que simbolizava sua conquista. Eu era professor daquela universidade; ela, aluna. Embora nunca tenha sido seu docente, compartilhamos os corredores acadêmicos. Para tornar tudo ainda mais especial, minha irmã também colava grau na mesma ocasião. Enquanto minha mãe se especializava nas séries finais do ensino fundamental, minha irmã seguia a pedagogia voltada à educação infantil.

A emoção, que poderia ter sido dupla, tornou-se quádrupla: minha mãe foi escolhida oradora da turma e, pelo desempenho acadêmico, premiada com um curso de pós-graduação como a melhor aluna do curso. A pedagogia já estava presente em minha vida, mas aquele dia consolidou-a como um laço inquebrantável em nossa família.

Toda essa introdução serve para ilustrar o impacto que a educação tem na minha trajetória e explicará o motivo pelo qual o voluntariado se tornou parte essencial dela. Assim, nada poderia ser mais significativo do que ser homenageado por professores e pedagogos no 2º Encontro Estadual de Ensino e Profissionalização do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, realizado na última semana de fevereiro de 2025, no Auditório JK da Cidade Administrativa de Minas Gerais. Uma honraria que não recebo e celebro sozinho, pois representa o esforço coletivo de tantas pessoas engajadas na mesma causa.

Há doze anos, iniciei um trabalho voluntário em Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (Apacs), unidades socioeducativas e presídios. O que começou com palestras esporádicas para servidores, familiares e custodiados cresceu para um envolvimento sistemático com as Apacs, modelo de reinserção social humanizada e diferenciada.

Com o tempo, fui convidado a integrar o Conselho de Administração da Fraternidade Brasileira de Assistência aos Condenados (FBAC), instituição que coordena a disseminação dessa metodologia em diversos países. Quando entrei no sistema prisional convencional, o choque foi inevitável. Diante da superlotação e da falta de perspectivas que caracterizam diversos sistemas prisionais mundo afora, entendi que alguma coisa precisava ser feita para que aquelas pessoas saíssem dali com algo além da marca do impacto brutal da prisão. O caminho que encontrei foi a educação e o voluntariado.

É tolice afirmar que o trabalho de educação em unidades prisionais é uma perda de tempo. Talvez a verdadeira insensatez seja fechar os olhos para um fato incontestável: se nada for feito, todos falimos como coletividade.

Durante a pandemia, o acesso a atividades educacionais, culturais e esportivas tornou-se ainda mais urgente para a saúde mental de custodiados e servidores. Em uma unidade LGBT recém-criada, essas iniciativas contribuíram para a construção de um ambiente mais respeitoso, ajudando a minimizar os danos emocionais enfrentados durante aquele período tão adverso.

A homenagem que recebi das mãos do Diretor-Geral do Depen, Leonardo Badaró, e da Diretora de Ensino e Profissionalização, Miriam Célia, simboliza o reconhecimento de um trabalho coletivo. O Tio Flávio Cultural, movimento que coordeno, não existiria sem as centenas de voluntários e parceiros que garantem a continuidade das nossas ações. Entre esses parceiros, estão o Conselho da Comunidade da Comarca de Igarapé, o Comida que Abraça, o Mães pela Liberdade, o Projeto Compaixão, o Mesa Brasil, o Senac e a Uemg, entre outros.

A Diretoria de Ensino e Profissionalização (DEP) tem papel fundamental na oferta de educação básica, ensino superior e educação profissional dentro das unidades prisionais. Além dela, magistrados, promotores e defensores públicos contribuem significativamente para viabilizar nossas iniciativas.

Diante de um público formado por pedagogos e policiais penais, falei um pouco sobre a educação, mas não consegui explicar a dimensão do trabalho que realizamos no sistema prisional. Atuamos em diversas frentes: oficinas de artesanato social, com materiais doados por parceiros – como o Conselho da Comunidade da Comarca de Igarapé - e produção destinada a escolas, instituições de longa permanência para idosos e maternidades públicas. Peças criadas nas celas chegaram a compor uma exposição organizada por artistas mineiros, ampliando o debate sobre o poder transformador da arte. Algumas dessas obras estão sendo utilizadas para decorar festividades, como o maior carnaval e a maior festa junina do Estado, trazendo um novo sentido ao que antes era apenas produto do confinamento.

Também promovemos projetos de reflexão sobre questões sensíveis, incentivando os custodiados a repensarem sua história, sua relação com a sociedade e com as pessoas que impactaram negativamente. Cada iniciativa leva o nome de uma personalidade, majoritariamente mulheres negras, como Nise da Silveira, Antonieta de Barros, Auxiliadora Pinto Viana, Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez e Bárbara Carine.

Não posso, nem quero, deixar de parabenizar os profissionais que escolheram a Pedagogia (ou foram escolhidos por ela) como sua forma de contribuição para o mundo que desejamos. Rendo minha homenagem aos educadores, em especial aos que atuam em ambientes inóspitos.

No Tio Flávio Cultural, seguimos um princípio essencial: onde a educação for necessária, lá estaremos.

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