Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Apressa-te a viver

Publicado em 18/03/2022 às 06:00.

Convidado a dar uma palestra numa escola da rede municipal de Belo Horizonte, resolvi falar um pouco sobre o sentido da vida. Ali estavam professores, mulheres em sua maioria, algumas que dedicaram à profissão muitos anos das suas vidas.

Conheci a escola, os brinquedinhos das crianças, o cuidado com que cada profissional organizava e enfeitava a sala, os banheiros, com sanitários adaptados ao tamanho das crianças, já que é uma escola infantil.

O carinho daquelas pessoas me emocionou antes mesmo de começar a minha fala.

Contei algumas histórias, trouxe alguns olhares de filósofos sobre o sentido da vida, falei de estudos da ciência sobre a felicidade. Não pude deixar de falar do verbo esperançar, muito bem explicado por Paulo Freire como a habilidade de fazer acontecer, contrário da esperança que paralisa, que provoca espera cômoda, sem esforço.

Mas teve uma hora que falei de aproveitar os nossos momentos, pois a vida passa. Sêneca, filósofo estoico do império romano, não poderia ficar de fora, pois foi ele quem escreveu sobre a brevidade da vida em cartas enviadas a um amigo. Lá ele dizia que a vida não é breve e sim tem o tempo certo. Nós é que desperdiçamos tempo precioso da nossa vida.

Estes dias li um texto do Saramago que achei bem interessante e oportuno: “não tenhamos pressa, mas não percamos tempo”, bem alinhado ao pensamento do primeiro Imperador Romano, Otávio Augusto, que disse: “apressa-te, devagar”.

Olha a sabedoria nesse imperativo: apressa-te, mas não deixe de aproveitar aquelas experiências que vive, senão a vida não terá sentido algum. É como se ele dissesse: siga o caminho, mas não deixe de sentir o cheiro das flores que se apresentam e nem de ouvir o canto dos pássaros, só para chegar mais rápido no destino. A caminhada será mais proveitosa com o cheiro das flores e o canto dos pássaros (poético, né? E verdadeiro!).

Num momento da minha fala com aquelas professoras, citei o livro “O túnel e a Luz”, que é uma palestra feita pela psiquiatra Elisabeth Kubler-Ross, uma referência quando o assunto é “finitude da vida”.

Ao final uma professora veio conversar comigo. Ela tinha perdido o jovem filho acometido por uma doença rara, que também havia se manifestado no irmão gêmeo. Ela lamentava muito, pois queria mais tempo com ele. Sentia não ter falado que o amava mais claramente, mais nitidamente, parece que o amor precisava ser falado para que ela sentisse mais alívio.

A mãe me dizia que se soubesse que o desfecho seria fatal, ela teria abraçado mais, conversado mais. E ao ir falando, chorando, ela foi organizando suas ideias.

No final do relato, como se parasse para concluir, ela me disse: “os dias no hospital foram de muita dor para ele. E um filho não sofre sozinho: eu, o pai dele e o irmão também vivenciamos aquela dor. Mas sou capaz de dizer que os dias do hospital foram, também, dos melhores que passei com ele, pois ele se sentiu acolhido, não ficou sozinho em momento algum. Foi uma despedida sem que, com consciência, soubéssemos disso”.

Indiquei a ela o livro da geriatra Ana Claudia Arantes, “A morte é um dia que vale a pena viver”, a abracei, perguntei se poderia dar-lhe um beijo e ela consentiu.

A única certeza que temos na vida é a morte, dizem alguns. De tanto ouvir, eu também repetia a mesma fala. Porém, pensando um pouco, há uma certeza anterior a esta, que deve ser considerada: a de que estamos vivos. Entender isso muda efetivamente muito no que fazemos com o nosso tempo e a qualidade dele.

Termos ciência da morte, da finitude. Admiti-la, encará-la dá sentido à vida. É, então, através do reconhecimento da morte que podemos viver uma vida significativa, sem que sejamos meros autômatos ou indivíduos alienados.

Fernando pessoa assinou uma bela poesia usando o seu heterônimo Ricardo Reis:

“Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.”

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