Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

As lições do alzheimer

12/11/2020 às 21:10.
Atualizado em 27/10/2021 às 05:01

Alguns dias atrás acompanhei minha mãe à geriatra, já que depois de um tempo longo sem sair de casa, ela precisou consultar a respeito de algumas dores que vem sentindo, já avaliada por ela mesma como fruto de uma infecção urinária.

No ano passado, nesse mesmo período, ela nos assustou com a perda repentina e temporária da memória, provocada justamente por esse tipo de infecção, algo que para nós, filhos, significou dias de expectativa e muito medo: pensamos, imediatamente, que a minha mãe, aos 84 anos, estaria com alzheimer. E essa doença ainda carrega em seu nome, culturalmente, um termo que a adjetiva: “mal”.

O susto serviu de alerta, de reflexão mesmo, o que provocou a mudança de muitas das nossas atitudes em relação à família, tempo, saúde, afeto, viver com mais plenitude os pequenos momentos, proximidade, atenção e por aí vai.

Na minha mente vinham sempre as referências que tive em filmes como “Para Sempre Alice”, em que uma professora começa a se esquecer de algumas informações triviais, que faziam parte do seu dia a dia em sala de aula, ou no filme “Viver duas Vezes”, em que um outro professor, de matemática, descobrindo a iminente demência, se propõe a viajar para reencontrar a pessoa amada que ele havia deixado se perder no tempo e espaço, mas que ele nunca esqueceu e tinha medo que isso acontecesse.

Um filme de 2004, “Diário da Paixão”, fala de um casal de idosos que vive num asilo: ele por opção e ela por consequência de doenças que afetaram sua memória. Todos os dias ele lê para ela um capítulo de uma história de amor escrita num diário. Essa história, na verdade, é a deles quando jovens: o diário contém todas as dificuldades enfrentadas por eles para ficarem juntos, já que a família dela era contrária ao casamento.

E, mais recentemente, um vídeo tem emocionado muita gente nas redes digitais: Marta C. Gonzalez, que foi uma bailarina em Nova York, na década de 60, conseguiu se lembrar dos movimentos que executava nos palcos, mesmo sofrendo com a perda de memória decorrente da doença. 

Marta faleceu em 2019, num asilo na cidade de Valência, na Espanha, mas o vídeo ganhou repercussão há pouco tempo. O que provocou os movimentos da bailarina, numa cadeira de rodas, foi a música “Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, tocada através dos fones de ouvido que ela usava. 

Os olhos da Marta mudaram ao ouvir a música, assim como a sua postura, dando lugar aos movimentos que lhe eram familiares no palco.

Judy Robbe, especialista em Alzheimer e outras demências, explica, através de uma analogia, o que é a doença. Ela diz que é como se fôssemos deixando pela estrada, involuntariamente, algumas bagagens da nossa vida.

Viver os momentos com as pessoas que amamos significa aproveitar cada bagagem que temos ou que fica.

  

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