Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Com afeto e cansaço: a realidade de cuidar dos pais

Publicado em 21/02/2025 às 06:00.

Isabel era uma mulher que, desde cedo, aprendeu a trabalhar. Precisava cuidar dos irmãos para ajudar a mãe, já que o pai, representante comercial de uma indústria farmacêutica, viajava constantemente pelo interior de Minas Gerais e outros estados, atendendo seus clientes.

Com cinco irmãos, Isabel, a filha mais velha, tornou-se a grande amiga e conselheira da mãe, além de sua fiel ajudante. As duas estavam sempre juntas, conversando e se entendendo. Isabel abriu mão das brincadeiras, pois sua infância não lhe permitia esse “luxo”, mas recebeu um grande cuidado afetivo e construiu uma parceria para a vida.

Aos 24 anos, Isabel se casou. Um forasteiro, como diziam os familiares, vindo do Nordeste, conquistou seu coração. Apaixonada, ela escolheu com quem queria dividir a vida, algo que muitas de suas amigas não tiveram a oportunidade de fazer, casando-se com homens que eram convenientes para suas famílias, mas não para elas.

Do casamento nasceram dois filhos: Marta, a mais velha, e Jonas, o caçula. Apesar de sempre ter sido independente, Isabel aceitou dedicar-se integralmente ao cuidado dos filhos enquanto o marido trabalhava e garantia o sustento da casa. Mas, inquieta, fazia peças de artesanato para vender, assegurando um dinheiro extra para pequenas despesas da família.

Nunca teve muito dinheiro, mas também nunca lhe faltou nada. Contava com o apoio da família e um marido que, apesar de trabalhar demais, era um pai amoroso e presente, além de um companheiro cuidadoso. Não viajavam muito a lazer, não saíam com frequência, mas Isabel sempre foi feliz assim.

Jonas nunca concluiu um curso superior, mas conseguiu um emprego no exterior e se mudou para longe. Lá, casou-se, teve dois filhos e, apesar de uma vida sem muitos recursos, não se queixava. Marta, por sua vez, permaneceu perto da família. Estudou, formou-se e tornou-se professora do ensino fundamental. Não se casou, mas viveu muitos anos com um companheiro, até que ele adoeceu e faleceu, deixando sua situação financeira instável.

Com o passar do tempo e o envelhecimento dos pais, Marta precisou se aproximar ainda mais. Devolveu o imóvel alugado onde morava e foi para a casa dos pais, que, embora não fosse própria, tinha um aluguel antigo e, por isso, mais acessível. A saúde dos dois estava fragilizada e, recentemente, Isabel sofreu alguns AVCs, necessitando de cuidados especiais.

O pai de Marta, marido de Isabel, foi diagnosticado com gota e passou a ter dificuldades para andar. Marta, dividida entre o trabalho e os cuidados com os pais, organizava suas aulas, dava expediente na escola em turno dobrado e voltava correndo para casa. No horário do almoço, conseguia alimentá-los e oferecer atenção. O pai ainda cuidava da sua esposa Isabel, mas começou a esquecer algumas tarefas, como administrar os remédios dela e os seus próprios.

Marta está cansada. Exausta. Precisa trabalhar, mas sente que não tem forças. Em meio ao desespero, contou a Jonas, que também enfrenta dificuldades financeiras, que precisava encontrar uma casa de apoio para a mãe e contratar uma cuidadora para o pai. Buscou ajuda na prefeitura, mas não conseguiu vaga. Pesquisou instituições acessíveis, mas os preços estavam além de sua realidade.

As dores se acumulam: a culpa de colocar a mãe em uma instituição, o cansaço de cuidar dos pais e a necessidade de manter a rotina de trabalho. Marta paga aluguel, sobrevive com seu salário e com a frágil aposentadoria do pai e já está endividada no cartão de crédito, que ela precisou recorrer devido às despesas extras com o adoecimento de Isabel.

Em uma instituição social, conseguiu uma vaga paga para sua mãe, mas agora precisa pensar no pai, que sente falta de Isabel. No luto pela distância, ele foi se retraindo, tornando-se mais calado e sem ânimo.

Apenas com as despesas do aluguel e da instituição da mãe, Marta compromete todo o seu salário. O que sobra da aposentadoria do pai mal cobre os custos com remédios, transporte, alimentação e outras despesas.

Encontrei Marta no hospital, acompanhando o pai. Ela se descrevia como um zumbi. Chorando, desabafou: "Às vezes, bate um desespero tão grande, porque eu não tenho nem a quem dizer o quanto estou exausta. Tem hora que eu desejo minha própria morte, mas não me entenda mal. Amo meus pais, eles são meu tesouro. E é o amor que me mantém de pé, mas as pessoas precisam entender que é cansativo. Estou à beira de perder as forças a qualquer momento."

Cuidar dos pais não é tarefa fácil. Muitos já lhe disseram que ela deveria ser forte, pois seus pais cuidaram dela e do irmão, e agora era sua vez de retribuir. Marta sorri com um misto de sarcasmo e desesperança, inclina levemente o rosto cansado para a direita e reflete: "Quem está de fora não sabe que são coisas diferentes. Ou não quer saber."

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