Fui conhecer um hospital, mas encontrei muito mais do que salas, leitos e corredores. Descobri um modo de cuidar, uma forma de estar com o outro mesmo quando a medicina já não promete a cura, ao menos da forma como concebemos este conceito. Encontrei profissionais, histórias e um lugar onde a vida, mesmo se aproximando do fim, continua sendo tratada com o respeito e a dignidade que merece.
Logo na chegada, fui recebido com leveza. O porteiro me acolheu sorrindo e comentou sobre o frio que fazia: 24 graus em Salvador. Para os baianos, é quase um inverno rigoroso. Em seguida, fui levado até a Brenda, que me recebeu com gentileza nos minutos que antecediam o horário marcado. Eu, como bom mineiro, havia chegado um pouco mais cedo. Pouco depois, chegou a Adriana, assessora de comunicação das Obras Sociais Irmã Dulce, instituição que administra o hospital. Conversamos sobre o trabalho realizado ali e sobre a trajetória da Irmã Dulce, também chamada de “Anjo Bom da Bahia”.
No Hospital Estadual Mont Serrat, especializado em cuidados paliativos, há uma pergunta que norteia o trabalho da equipe: se você se internasse hoje e tivesse oito dias e meio entre o “oi” e o “tchau”, que é a média do tempo de permanência dos pacientes, como gostaria de ser cuidado? Essa pergunta não é apenas retórica: ela orienta uma prática profissional centrada na escuta, na empatia e no cuidado. Porque não se trata apenas de aplicar protocolos, mas de tratar pessoas com humanidade, especialmente quando o tempo é curto.
Como já perguntava Dorival Caymmi em uma de suas músicas mais conhecidas: “O que que a baiana tem?”. A resposta fala de cultura, beleza e tradição. Mas podemos ampliar a questão: o que que a Bahia tem? Eu diria: muitas riquezas e, entre elas, o primeiro hospital estadual do Brasil 100% dedicado ao SUS para atendimento em cuidados paliativos.
O Mont Serrat foi inaugurado em 31 de janeiro de 2025, mas sua história começa antes. Em 2018, surgiram as primeiras articulações para a criação do Núcleo de Cuidados Paliativos da Secretaria de Saúde da Bahia. Em 2019, teve início a formação de médicos especializados na área, em diferentes regiões do estado. Em 2024, o Ministério da Saúde lançou, finalmente, a Política Nacional de Cuidados Paliativos no SUS, uma conquista importante, mas que a Bahia já vinha antecipando.
O hospital funciona em um prédio histórico, com quatro pavilhões, próximo à Igreja do Senhor do Bonfim. No século XIX, o local abrigava o Hospital de Isolamento, criado para atender vítimas da febre amarela que chegavam ao porto de Salvador. Até 1936, esse foi o seu nome. Hoje, com o prédio totalmente reformado, ele representa o oposto do isolamento: acolhimento, presença e amparo.
O cuidado no Mont Serrat não se limita ao atendimento clínico. Ele está presente na arquitetura, nos detalhes, nas frases usadas em cada espaço, nas cores, na forma de receber os familiares. Tudo no ambiente comunica respeito. Até as paredes participam da proposta de oferecer um lugar onde a dor possa ser tratada com dignidade.
Os cuidados paliativos não têm como objetivo antecipar nem prolongar a morte. O que se busca é o alívio do sofrimento físico e emocional. Quando a cura já não é possível, oferecer dignidade ao tempo que resta torna-se um compromisso ético e humano. “Vamos trazer qualidade de vida enquanto vida houver”, me disse a Dra. Karoline Apolônia, médica da unidade. E completou, enquanto caminhávamos pelos ambientes: “Aqui, o foco não é a morte. O foco é o cuidado enquanto há vida.”
A isso se dá o nome de ortotanásia: permitir que o processo natural da morte ocorra com o máximo de conforto, sem intervenções desnecessárias que apenas prolongam a dor. A ortotanásia não é desistência, mas sim respeito aos limites do corpo e da vida. Significa estar ao lado, escutar desejos, oferecer presença quando as palavras já não bastam.
A Dra. Karoline Apolônia é uma das responsáveis pela existência daquele hospital. Cada detalhe, que pode parecer sem importância para um leigo ou para quem nunca teve um familiar com uma doença em estágio avançado, faz toda a diferença no contexto da acolhida.
Imagine um familiar recebendo um diagnóstico como esse. Imagine a dor envolvida. E agora imagine que, nesse cenário, exista a possibilidade de ser cuidado em um lugar que não apenas trata a dor, mas também oferece escuta, aconchego e vínculos. Onde há tempo para se despedir. Onde há espaço para estar com quem se ama. Isso é o que o Mont Serrat oferece.
Em uma entrevista concedida aos jornalistas Marina Rossi e Vitor Serrano, um filho resumiu bem o sentimento: “Sei que ela está no estágio final, porém com conforto e com boa qualidade”. Essa frase expressa o valor do cuidado prestado ali: não é sobre estender a vida a qualquer custo, mas sobre permitir que ela termine com respeito, conforto e afeto.
Alguns pacientes, depois de estabilizados, voltam para casa e continuam sendo acompanhados pela equipe do hospital. Outros morrem ali mesmo, cercados por seus familiares. O tempo médio de permanência é de oito dias e meio. Pode parecer pouco, mas nesse intervalo é possível realizar o essencial: aliviar a dor, promover reencontros, garantir despedidas.
Voltei de lá em silêncio. Um silêncio reflexivo, como aqueles que vêm depois de aprendizados profundos. Compreender o cuidado paliativo é compreender algo que faz parte da vida. E o que aprendi naquele hospital foi simples e essencial: o fim não precisa ser marcado por ausência e dor. Pode ser também tempo de presença e cuidado, para além do último instante de vida: na notícia dada à família, no encontro com o corpo, na despedida derradeira, nas memórias criadas com consciência e afeto.