Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Familiares enlutados pela morte por suicídio

Publicado em 06/09/2024 às 05:50.

Provavelmente você já deve ter ouvido alguém falar que "90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados”. Este dado equivocado e comercial vem à tona especialmente durante o “Setembro Amarelo”, mês dedicado à campanha de prevenção ao suicídio.

A Associação Brasileira dos Sobreviventes Enlutados por Suicídio, Abrases (@abrases_br), diz que “a frase, repetida sem o devido contexto, cria uma falsa expectativa de que o suicídio é sempre evitável, o que não reflete a complexidade do problema. Ela também carrega o risco de culpar os familiares sobreviventes e os próprios profissionais por algo que muitas vezes está além de seu controle”.

Outra questão importante para se atentar com relação ao Setembro Amarelo é que muita gente, até mesmo querendo ajudar a difundir a campanha, acaba falando coisas que não ajudam muito, como afirma a psicóloga mineira Luciana Rocha (@luciana.psicologia). Ela diz que aquelas frases como “venha conversar comigo” ou “se você está sofrendo, me mande uma mensagem” são perigosas, por mais que sejam bem-intencionadas. Para que se possa lidar com a questão do suicídio, é preciso que se tenha conhecimento, ferramentas adequadas e preparo para lidar com tais situações.

Luciana é autora do livro “Nem covarde, nem herói: amor e recomeço diante de uma perda por suicídio”, que relata um caso real, acontecido em sua família, e que aborda conceitos e reflexões sobre o suicídio.

Eu não sou psicólogo, vou repetir isso tantas vezes quantas forem necessárias. Porém, num trabalho voluntário, estamos diante de pessoas que, por um motivo ou outro, confiam sua história a quem se dispõe a ouvir. E estes momentos me levaram a pensar que a culpa é como uma âncora. Ela não só te prende a uma determinada dor, como ela te puxa, como que tentando te tirar o ar. Às vezes a gente realmente não consegue respirar, dando braçadas no vácuo. Algumas vezes estas braçadas podem ser direcionadas a quem a gente ama, e não tem nada a ver com aquele sofrimento, a não ser porque nos ama também, mas é preciso acertar alguém. Ouvir que “eu preciso ser feliz” ou que devo “dar tempo ao tempo” ou que tudo é “como Deus quer” também não ajudam. Pode fazer doer mais.

- Ele não quer me ver sofrer assim, né? Perguntou-me aquela mãe, destroçada pela perda do seu filho, referindo-se a Deus.

- Eu falhei como mãe e isso eu vou carregar pelo resto da vida. Tomara que não tenha outras vidas, porque eu não suportarei, disse-me aquela mulher.

Eu não sou especialista em mortes por suicídio, nem mesmo em saúde mental, por isso pedi que ela buscasse conversar com uma profissional que entenda do assunto, que lide com casos de sobreviventes enlutados pela morte através de suicídio, porque o que o filho dela estava passando não dependia do tanto de amor que ela tinha e o tanto de cuidado que ela dava. É muito mais complexo que isto e só numa terapia esses assuntos podem ser tratados com a importância que merece. 

A preocupação de uma mãe com os filhos é de tal forma que algumas, se pudessem, os carregariam no colo, para que as pedras do caminho machucassem seus próprios pés e não os dele. Mas isso não vai acontecer. As pedras estão aí para todos. Cedo ou tarde elas vão ao nosso encontro. Preparar os filhos para questões que virão é, de fato, extremamente importante, mas, mesmo assim, nada está sob nosso controle. Às vezes uma doença emocional se desenvolve, tragando a energia, o ânimo, a capacidade de avaliar as situações. Isso não é fraqueza, mas, sim, um adoecimento.

Tal qual se pode ter uma doença relacionada ao coração, e isso não desperta vergonha em ninguém, ou pode-se ter uma dor intensa nos pés, e isso eu não preciso esconder das pessoas e evitar a ajuda para não me expor, acontece o mesmo com o cérebro, que pode adoecer e precisa de tratamento. A psiquiatria e a psicologia foram, por muito tempo, associadas ao tratamento da loucura, de uma forma mais direta de se dizer. Isso afastou muita gente desses profissionais. Ao passo que as redes sociais ficaram cada vez mais acessíveis, conteúdos tóxicos e mentirosos se espalham, pessoas que se dizem conhecedoras de um assunto amealham a atenção de milhares de seguidores, que muitas vezes, por desconhecimento, acreditam no que qualquer um que diga, recebendo a validação porque o outro afirmou que fez um curso em uma famosa universidade ou deu entrevistas em tal programa. E, pior, porque tem inúmeros seguidores.

Isso aconteceu comigo. Eu saí da médica com o resultado de alteração dos colesteróis. Fui para a internet tentar achar a fórmula mágica e encontrei diversas. Eu testei uma delas até ver o depoimento de especialistas e entender que aquele suco manipulado que eu mesmo fiz não tem comprovação científica alguma. 

Ter um amigo que vai te ouvir, chorar com você e te consolar é muito bom, mas ele pode te olhar com a piedade que você não precisa naquele momento. Busque a ajuda de um profissional, saiba quais redes sociais são sérias e não se envergonhe em precisar de ajuda.  

Obs.: CVV - Centro de Valorização da Vida, ligações gratuitas para o 188.

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