Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

Hospital Espírita André Luiz

Publicado em 10/06/2022 às 06:00.

Minha mãe veio de um berço católico, numa cidade que recebe o nome de uma santa, aquela que protege os olhos: Santa Luzia. Enfrentando algumas dores da vida, minha mãe conheceu o kardecismo e começou a estudar a doutrina espírita com mais afinco.

Ela nunca obrigou os filhos a irem a uma reunião de estudos, mas eu a acompanhava nos movimentos sociais do centro espírita em que ela fazia a campanha do quilo,  dava aula de evangelização em comunidades mais carentes e, também, distribuía sopa e cestas básicas para famílias carentes, numa época em que nem usávamos o termo “vulnerabilidade social”.

Foi na adolescência que comecei a frequentar a fraternidade espírita, no encontro da mocidade. E foi ali também que me atribuíram, pela primeira vez, a incumbência de preparar uma palestra para todos os demais jovens do grupo.

Eu ficava dias lendo os livros para estruturar as ideias que eu apresentaria na palestra. Lembro de espalhar vários livros no chão do quarto e ir marcando, com lápis ou marcador de texto, as partes mais importantes. Este hábito eu levei adiante, pois só consigo ler escrevendo no livro ou sublinhando o que me chamou a atenção.

Tempos depois a direção da casa me chamou para apresentar um estudo na reunião pública, onde não só estariam os jovens, mas todos os frequentadores da fraternidade.

Meu gosto por falar em público veio daí. Apesar de sempre ter sido introvertido, o que não significa necessariamente ser tímido, foi a partir dessa dinâmica de estudos espíritas que comecei a gostar de dar aulas, além da influência familiar, logicamente.

Quando me perguntam de onde vem a minha relação com os movimentos sociais, não consigo ter outra explicação que não seja da criação dada pelos meus pais, mais focada na vida comunitária do que no individualismo e, com certeza, ver e acompanhar minha mãe nas atividades espíritas.

Foi nesta época também que eu ouvir falar do Hospital Espírita André Luiz. No meu imaginário, o André Luiz era o lugar onde as pessoas que tinham sofrimento mental se internavam para tratamento, mas o desconhecimento também alimentava o meu imaginário, fazendo-me associar o hospital a algo similar aos manicômios da cidade de Barbacena, que não contaram uma feliz história. Era isso que eu tinha em mente, mas nunca me detive a buscar mais informações.

Recentemente venho me aproximando da instituição. Participei, como mediador, de uma live sobre “saúde mental” e, logo depois, outras interações vieram, assim como um convite do seu diretor técnico e psiquiatra, dr. Pedro Tanajura, para que eu pudesse conhecer a estrutura, as pessoas e o trabalho do André Luiz.

O cheirinho de natureza estava presente em todos os lados. Fui sendo apresentado aos funcionários, que contavam suas experiências exitosas no decorrer dos anos que ali trabalham.

Vi as oficinas para os pacientes que não ficam internados, mas vão para acompanhamento diário. Fui à horta, que é muito bem cuidada, às estufas e ao caramanchão que tem por lá e que nos dá uma vontade de ficar por ali mesmo, sentado, lendo e observando o tempo.

Descemos até à casa onde moram homens que vieram de um conceito de tratamento psiquiátrico equivocado no passado e hoje, ali, convivem entre si e com a comunidade do bairro.

Um deles toma à frente e vai nos apresentando as instalações. Elogia a cozinheira e nos conduz para o seu quarto, por um corredor limpo e cheiroso. Ele mostra as fotos com orgulho, inclusive em visitas à Pampulha, shows que ele participou e abraçado ao Papai Noel.

No fim das apresentações, solta um: “volta mais”. A coordenadora da casa e as funcionárias, com um sorriso tão bom nos lábios e nos olhos, provocaram a vontade de voltar mais vezes mesmo.

Na última etapa da visita, fui conhecer as áreas de atendimento, no ambulatório, onde diversas salas estampavam os nomes dos psicólogos e psiquiatras que ali trabalham. Uma portinha se abria e de lá saiu uma senhora, com um uniforme de cor suave, cabelos brancos e jeito meigo. Ofereceu-nos um “passe” espiritual, que não é imposto a ninguém e vem em forma de convite.

Sentei-me na cadeira, como fazia na adolescência, na Casa Espírita Nosso Lar, em Santa Luzia. Por alguns segundos ficamos ali, num ambiente sem barulho, tranquilo, harmonioso, que desconstruiu velhas ideias, trouxe à minha memória boas lembranças e me deu a possibilidade de conhecer um trabalho sério, feito por profissionais competentes e por pessoas que querem uma sociedade que dê a todos nós mais dignidade para viver.

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