Tio FlávioPalestrante, professor e criador do movimento voluntário Tio Flávio Cultural.

O melhor de um professor

09/07/2020 às 19:41.
Atualizado em 27/10/2021 às 03:59

Todos nós carregamos, lá dentro da gente, um pouquinho de arrogância que seja. Em alguma medida ela deve ser parte componente do ser humano. Acho que a experimentamos em doses diferentes, nas distintas fases da nossa vida. A maturidade, que não tem nada a ver com idade cronológica, talvez seja uma grande mestra que vai nos ensinando que quanto mais arrogantes formos, mais vazios e solitários nos tornamos.

Buscando a origem da palavra, é possível entender que a arrogância é o termo utilizado para definir alguém que se acha no direito de exigir um reconhecimento do mundo que, na realidade, não lhe é devido, que essa pessoa não merece. E ainda tem mais, quando alguém busca atribuir a si mesmo algo que não tenha fundamento.

Por isso mesmo entendo a arrogância como coisa de gente solitária, pois nem os arrogantes convivem entre si, não dão conta dos seus egos, nem quem convive os respeita, justamente por saber que um indivíduo arrogante é um ser profundamente carente, em boa parte das vezes.

O cuidado que devemos ter é que ela também tem o poder de normalizar algo que não é aceitável e inebriar a tal ponto, que em alguns casos não percebemos os nossos atos como arrogantes. Mas há alguns outros em que não se tem justificativa a não ser uma corrosão de caráter mesmo.

Como o viés da negatividade, estudado por vários cientistas, é a afirmação de que temos uma tendência a perceber, observar e apreender fatores negativos que nos ci–rcundam, resolvi trazer um exemplo de humildade, para que não nos esqueçamos da sua importância e da escolha pela positividade em nossas percepções.

Há uns 20 anos, quando iniciei minha carreira de professor universitário, lecionando Marketing para turmas de graduação em Comunicação Social, tive acesso às obras do professor Raimar Richers, um suiço naturalizado brasileiro, mestre em Administração pela Michigan State University, Doutor em Ciências Econômicas pela Universidade de Berna, com curso de formação de professores pela Havard University. Foi ele quem recebeu uma comitiva norte-americana no Brasil para apresentar e discutir, pioneiramente, o termo Marketing para as organizações nacionais.

Aos poucos da leitura dos seus livros, passei para a troca de e-mails com a equipe do conceituado professor e, assim, fomos nos aproximando, conversando a distância ora com ele, ora com que o assessorava. 

Viajei para conhecê-lo em São Paulo e tivemos uma empatia muito instantânea e uma amizade rápida, mas muito construtiva. Ele era muito gentil e tinha uma paciência para explicar, ensinar, orientar. Veio a Belo Horizonte duas vezes fazer palestras, me convidou para escrever uma apresentação da reedição do seu livro “Marketing, uma visão brasileira”. Em 18 de junho de 2002 a Sandra, secretária dele há anos, me ligou e comunicou sobre o seu falecimento. Peguei um ônibus em Belo Horizonte, troquei de roupa e tomei café na rodoviária do Tietê, SP, consegui me despedir dele durante o velório, acompanhei o seu funeral e voltei no mesmo dia para casa.

As lembranças dele são muitas. Certa feita, numa das nossas conversas por telefone, eu contava que estava muito feliz em ler as provas dos meus alunos e perceber que eles haviam citado, literalmente, as suas palavras na definição que pedi de Marketing. Pois ele, com a maior educação e fineza, mas sem pestanejar em ser bem pedagógico, me disse: enquanto eles estiverem citando os nossos conceitos como resposta, eles não estão pensando por si só.

Entendi bem. Sei que ele era uma excelente referência para se citar na prova, a melhor, inclusive, no Brasil. Mas, somente citar a definição que ele criou, sem desenvolver qualquer pensamento a partir daí não era o suficiente. Para outras supostas autoridades isso seria uma mescla de vaidade e oportunidade de continuar se mantendo como escritor e professor de referência. Para ele foi a necessidade de dizer a um discípulo, como eu me considerava ser dos seu caráter, da sua sabedoria e ensinamentos, que o melhor que eu poderia fazer aos meus alunos seria estimulá-los a pensar.

  

© Copyright 2024Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.Todos os direitos reservados.
Desenvolvido por
Distribuido por